Hímens reencarnados
Pode me levar embora, do jeito que quiser.
junte meus ossos, meus cheiros, meus gostos,
meus remendos ensurdecidos da dor,
e vamos juntos pra onde o vento soprar.
Vamos descobrir as diabruras do tempo,
as cores desatinadas da solidão,
aqueles hímens reencarnados dos porões da ilusão.
Vamos catar juntos os vinténs de alma que nos escorrerem,
aquelas querelas desatentas dos nossos senões,
os tombos mal ensaiados do perdão.
Se por acaso seus latidos rebarbados do sonho nos sacudirem,
se os guizos em carne-viva dos vãos do seu medo nos untarem,
se as trovoadas alucinadas da sua fé teimarem em nos refogar,
não deixarei meu chão surtar, nem recuar,
vamos descortinar cada ferida e a colocaremos para bailar,
uma após a outra, sem pressa, sem espinho, sem condão.
Pode me pegar pelos cabelos e jogar no fogaréu do seu gozo,
pode me atracar, tardio, nas catacumbas do seu Deus,
pode me refazer traquina para entornar o caldo da sua razão.
Somos pontas da mesma âncora se entulhando de eco,
somos tecos da mesma invernada teimando em não morrer,
somos miseráveis do mesmo prato se esgueirando aos berros.
Daí, respingado do seu mais esperado porre,
me vi refletido nos rincões perdidos que haviam em você,
como pároco embriagado lhe cedi ao meu convés,
como verso enferrujado golpeei resoluto o trotar cabisbaixo
da sua paixão,
como repugnante inseto me servi à sua mesa salivando quero-mais.
Então, absorvido, pude por fim deitar e dormir para sempre,
me confundindo nas peles endiabradas da quitanda dos seus sonhos.