Fragmentos de uma noite sem delírios

Não lembro do momento que o encanto

do sono dispersei na noite escura,

só lembro que acordei na sala, dura,

debaixo das cobertas, só, de um manto;

Ao ter chegado a mim um forte pranto

do além. Quem há de ser, medrei, quem urra?

É Ser, Alguém, é Fato ou é Loucura?

Dizei! Dizei! Bradei, pro meu espanto...

(Falei num só desvairo; o fiz em vão?

Por certo tu verás, verás que não!)

... Resposta, em voz sonora, a mim sussurra;

Gelei, pro meu espanto!, ao ver num canto

Uma sentada sombra, aqui, enquanto

Achava-me deitado em vil postura.

Será, como será que entrou sem surra,

Sem feito d'algum píu neste recanto?

Será ladrão da noite, demo ou santo?

Gelei frente a sombra, ausência pura

Que logo, feito sonho, disse em vão:

"Por certo te acordei, das teu perdão?"

Não pode, falso, o vulto ser quebranto

Pensei e esta voz que vem, que jura

Não pode me dizer coisas impuras

Pois quem pede perdão bem sabe o quanto

A falta na alma pesa em seu quebranto...

Não sei, por medo, lembro, ou por ventura

Só lembro o que na mente a alma depura

Que a sombra, o vulto, a coisa, fez então

Ela olhou pra mim e disse "Não?"