O gozo do chicote
Quero falar um pouco de certa saudade,
não da que lateja e trovoa,
mas daquela que já se extinguiu de vez.
Uma saudade que parou de relampear,
esqueceu seus poros, abandonou seus donos,
despedaçou seus guizos,
pegou a trouxa e saiu mundo afora.
Saudade que cuspiu no próprio prato,
bagunçou as batidas do coração,
empedrou o suor, parou de respirar.
Seus berros transloucados se refugiaram
nos porões sombrios da minha fé,
masmorra trancada a sete chaves,
da qual até Deus foge de medo.
Uma saudade outrora obesa, mandona,
de alma grisalha, de chão chorado,
que em mim se dizia cruel,
que em mim se desnudava inteira.
Mas meus pés de andarilho aprenderam
a perdoar, a aninhar a dor pra que dormisse,
a esquecer o cheiro do gozo do chicote.
Que deixou toda minha saudade
com gosto de arroz-doce,
não vendo a hora de cair na folia
pra se esbaldar até morrer dentro de mim.