DUALIDADE

As flores surgem pelo caminho, no céu não há nuvens.

Todos os cantos convergem numa doce harmonia.

Há algum tempo, longe desse instante,

O vento é prenúncio, as vozes são cantos suaves

E todos os olhos são espelhos em que o mundo se vê.

As pedras descem a ladeira, são imensas e confusas;

Tudo se transforma em nada no caminho que percorrem.

Vozes são gritos e murmúrios são lamentos.

A lua está sempre longe,

Porque o coração já perdeu a força e bate cada vez mais lento.

O céu é azul, um azul nítido como a voz sonora do vento.

E este é longo e disperso.

Passeia pelos cabelos negros das meninas mais simples,

Essas que têm as faces brancas e uns olhos muito escuros,

Fazendo o contraste perfeito dos meus sonhos:

Alma-corpo, razão-emoção, tudo-nada de mim;

Ausente na presença e presente na ausência;

Como qualquer ilusão ou sonho,

Ou sombra.

Dias razoáveis, plantações devastadas;

Gafanhotos, insetos verde-loucos, catástrofe sem fim.

À beira do caminho alguém espera,

Não sabe o quê, nem por quê, só espera...

Talvez nada aconteça, nem mesmo a chuva apareça no fim da tarde,

E tudo continue quente como o asfalto que está sob o sol há horas.

Os passos que vão já não voltam, morrem num silêncio triste,

Onde todas as bocas se fecham.

Os insetos brincam de enchente, o verde é o campo dos olhos.

Todo sorriso é o começo de uma verdade que ninguém sabe dizer,

Mas o canto aumenta, as flores desabrocham

E o tempo vai perdendo sua força.

A eternidade bate na porta, é só abrir e viver.

Quem mais poderá ouvir uma voz tão doce?

Não há respostas para as perguntas mais sérias.

No meio do nada há uma estrela brilhando sem motivo;

Há uma chuva caindo vagarosamente;

Uma flor insistindo em nascer sozinha, sem planta nem nada;

Há um canto insípido, que chora a saudade de coisas que nunca são;

E há um retrato perdido, onde o rosto mais triste é sempre o mais lindo;

Há um pássaro que voa, mesmo ferido;

E todos os amanheceres marcam uma breve esperança.

Demolições por toda parte:

De bens físicos e espirituais,

De casas, prédios e condutas,

De amores e outras verdades.

Os medos são feridas que não cicatrizam,

E o gesto de erguer a mão vale mais do que qualquer discurso.

O sorriso é uma queixa,

A palavra “não” é verdade absoluta,

A palavra “sim” é uma sentença terrível.

O tempo marcou os espíritos com sua voz sem som

E se perdeu no vazio das separações.

João Barros
Enviado por João Barros em 19/09/2018
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