NADA SEI
eu não sei escrever palavras sem sons
eu também não sei da razão de a pedra existir
no caminho
nem das flores mortas esquecidas
no chão
nada sei a respeito das portas sem trancas,
tampouco das janelas fechadas ao vento
das ruas vazias
das paredes sem memórias
nada sei sobre os grãos de areia que formam
o deserto, numa cumplicidade trágica de sussurros
e nada sei das miragens formadas na solidão dos beduinos
dos lobos que uivam, nem das tempestades de silêncio
nada sei do mar que não seca
nem dos rios vivos que caminham deitados
sobre a terra
nada sei dos malabares das cascatas no jorrar de águas feito pranto
eu também não sei o porque do voo e do canto
dos pássaros e das aves noturnas
das mariposas que voam na escuridão da noite
nem da luz dos vaga-lumes na negritude das florestas
eu não sei porque o peito grita e pulsa feito velas ao vento
e chora simulando despedidas
eu não sei porque a lágrima escolheu fazer um só caminho
sem retorno a foz como faz o rio
e eu nada sei de ti
nem do teu corpo
nem dos teus olhos que imagino-os crus
nem da cama onde deitas
nem do relento que te abriga
e fico por muito tempo a contemplar dentro de mim mesma,
uma esfera estática
longínqua
uma imagem que me inspire,
um lago que me contemple
Margarida Di