Perdoar-me eu

Que o mundo mil vezes me perdoe…

esse é um perdão que não basta!

Não posso perdoar-me eu.

Não posso mais negar

tanto quanto não posso me resolver!

Esses fantasmas sempre voltam a me assombrar.

Fantasmas de origem ignorada,

eternos! Imortais.

Todas as rezas e drogas e atividades

e todas as palavras, estudos e conclusões lógicas...

tudo...

nada os pôde exorcizar.

Almas furtivas madrugadeiras...

se arrastam para debaixo dos móveis imóveis

e aguardam como poeira sob os tapetes.

Quando considerados são extintos,

sarcásticos diabinhos,

dançam e se espalham em cócegas,

mostrando que estão mais vivos do que nunca.

E apesar da represa que tento reforçar cada vez mais para contê-las,

lágrimas desnorteadas explodem

e atos absurdos se põem em cena...

sou eu no meu pior eu.

E que o mundo todo tenha pena

e me socorra desses instantes vergonhosos...

não posso perdoar-me eu!

Eu que, cega às verdades,

alimento maternalmente ignorante

esses pregos de meio de estrada

prontos a frear minha viagem

sempre que vislumbro a felicidade.

Não posso aceitar-me assim

nem me livrar de mim.

E, embora sincera seja minha indagação,

resposta alguma me vem.

Me falta ar...

me falta água...

me sobra angústia.

Me trança o medo...

pés e mãos e cabelos.

E alguém, do outro lado,

primeiro se preocupa,

segundo me culpa,

pra sempre se afasta.

E eu me mato...

e a morte não me vem.

E me falta ar...

e me falta viço...

e me sobra vício.

E me sobra vergonha.

E nenhuma resposta me vem!

E que o mundo ou ele me perdoasse...

esse é um perdão que não me cura.

Não posso perdoar-me eu.