Deslizando

Danço na chuva, eu
e minha sombrinha verde.
Me sinto assim,deslizando,
patinando no barro
do morro do cemitério.


A água entra pelos canos
da bota de plástico amarelo
que nunca tive.
Minha capa de chuva tem capuz.
Double face.Azul petróleo
e rosa choque.
As marcas dos pés se encontrando,
as que sobem, mais firmes,
as que descem, deslizantes.
O apito do trem está longe
na curva de minha infância.
Quanto mais meus pés derrapam
mais o som se distancia.
Só o assobio sibilante
que carrega minha tristeza.
A Albion de meus sonhos
é a Arantina de minha infância.
Névoas e brumas espessas
que envolvem a noite gelada.
Um atrás do outroa, procissão 
de velas acesas e trêmulas
pelas curvas sinuosas
da velha estrada barrenta.
Centopéia iluminada
ploc..ploc..ploc..fazem seus pés
afundando no barro noturno.
Todos olhando para a frente
só eu olhando para trás.
"Louvando a Maria
o povo fiel..."

A chama rubra em meus cabelos
aquece e colore meus sonhos
para além do tempo.
Eu deslizo no meu sono
incenso cheirando a saudade.
(janeiro/2000)

(do livro inédito - Mapa da vida)