Enternece

enternece ouvir o amanhecer do dia

escorrendo pela janela

a luz devoluta e intocada,

morosa,

levantando-se da noite onividente

rompendo o escuro do mundo inocultável

lançando instantes

sombras nitentes

e gestos concisos

incendiando os ares frios e surdos do inverno

enternece ouvir os pássaros cantando

na manhã que se levanta retentiva

lentamente

inconclusa

intangível

encharcando o ar repleto de perguntas

enternece ouvir o silêncio dormindo junto ao teu corpo

recitando a madrugada

acalentando a solidão que invento

para os teus olhos escuros

como a noite que saciou o nosso amor

morte desfeita no inconsolável gozo

prelúdio da vida nascida entre as tuas coxas

rumor de pele arfante

o beijo aquietado em teus lábios

o desejo derramado

em tuas mãos espalmadas

enternece ver o amor

dormitando em teus braços nus

poemas sem rimas

tecendo eternidades

entrelaçando o cansaço dos amantes

falando sussurros ao teu ouvido

despindo o perfume dos nossos instantes