Querer
Querer escrever poesia ainda não é poesia.
Tratar a palavra como a uma criança recém-nascida,
com todo cuidado e devoção,
também não é fazer poesia.
Tratar a emoção como fonte sagrada de inspiração,
é assassinato, jamais poesia.
Dar aos pequenos detalhes o protagonismo
que só merece o verso bem-acabado,
é indecência, não poesia.
A escama de cobra, a perna do sapo e o olho do jacaré,
a asa da borboleta e a do morcego, o nado da anta
e o ataque das abelhas, o caminhar da onça,
a sapiência da coruja, o lodo do rio,
o sono da pantera... nada, nada disso é poesia.
Talvez só a Bandeira, de Manoel, seja poesia
talvez a involuntariedade do “bom dia!”
à toda essa fantasia da fantasia (talvez nem isso).