A CEGUEIRA DO CORAÇÃO
Todo vil nascimento em berço inexistente
procura perto a morte viva e acompanhante;
é realidade que mui agride nossa gente,
certeza do sempre faltar agonizante.
Nos becos e ruas povoados mora a solidão
a cutucar o fraco ser em sua existência
e a revelar ao cruel mundo um miserável cão
doente, sem dono, sem teto e sem procedência.
Lá circulam irmãos alegres e felizes
sem a boa visão alcançada pelo coração,
fato normal em mortos sem ação ou aprendizes
do humanismo – desprovidos de gratidão!
Perdeu–se a emoção no calar dessa covardia
pela fuga da realidade de uma guerra
contra enfermos sobreviventes e em agonia,
formadores de uma triste gente que berra.
E nos vivos há mortos na perda de emoções,
há mortos bem vivos na cena de quem erra
ao desprezar tais semelhantes em suas visões,
como que cortes afiados de voraz serra.
Tem–se a violência de um caminhar errático,
que deixa a realidade contemporânea no ar
e não torna o homem um ser enigmático,
que está a envenenar–lhe com frias noites sem luar.
Salvador, 30/01/1999.