HEITOR DILACERADO
Em tudo que não posso é que reside o atrevimento,
esse desconhecimento impertinente e fraco da vida.
Porque os senhores da noite nada temem sobre a terra,
é que marcham indiferentes por vielas indecentes e tabernas.
Cantam os feitos da penumbra como um tango estilhaçado,
em pares audaciosos e fugidios como animais de caça.
Um estampido na lembrança e uma cicatriz de anos,
servem para o senso das coisas que se dizem findas,
vendendo o sonho de guerras que já não se fazem mais,
e de crianças perdidas antigamente, quando eram mortais.
Em tudo que não posso é que reside essa mágoa,
esse despropósito alarmante que é estar sempre fora de lugar.
Nunca se espera do amanhã o desescrever de uma fala,
dita á beira do lago quando todo mundo foi embora.
Então a lembrança incomum dos senhores da noite,
é o toque do linho sobre a pele cansada da espera.
Um óbito aqui, outro alí, quem, de fato, se importa?
Ao longo dos caminhos tortos cerram-se as portas,
e a conjunção das farsas se equivoca, pois são inócuas.
Ao ver no horizonte o que foi feito do tempo,
a morte se insinua sobre a pele como dobra.
medalhas gastas de orações sem resposta,
acusam que o infinito cabe nos minutos da hora.
Assim como todas as faces de um minuto secular,
entende-se que a natureza da dança é circular.
Uma variação da noite se manifesta na despedida,
porque é isso que sempre se diz quando no fim:
Entendi quase tudo, porém, não sabia o que queria.