MARIA DESAPARECIDA

sempre generosa,

maria tanto cultivava cactos quanto cultivava rosas.

no espaço ínfimo onde mal lhe cabiam os pés,

arranhava-se nos espinhos porém rejubilava-se, olorosa.

do topo do arranha-céu onde se aninhara,

maria mal sabia que, pelo horizonte plúmbeo, o perfume se espalhava,

disputando a atmosfera com o óleo diesel e a fragrância boêmia dos cafés

onde jamais estivera por ordem expressa de uma vida que não avançava.

eram latas de bolacha, desbotadas, e uma sequência de potes de margarina,

atados a pregos mal pregados por arames mal retorcidos cuja sina

era espatifarem-se no retalho de chão de ladrilhos gastos e sem rodapés,

sobre o qual maria também fazia suas rezas e acendia seus incensos da china.

eram vasos de recorte de pneu e outros tantos que ela encontrara na rua

como aquele com esmalte estilhaçado onde se viam um sol e meia lua

tão cafona que acabava sendo lindo, coroado pela folhagem adquirida de má fé,

quando muda, prontamente subtraída, do campo onde o pranto se perpetua.

e maria desaparecia entre os cachos e botões por quem tanto zelava

já que não zelaria por mais ninguém por ordem expressa de uma vida que não avançava;

onde havia paralisia jamais se ouvira dizer que não é das pernas que surge o balé.

maria tentou ser flor, mas teve a seiva sugada pelo inço que brotava.