O Andarilho
É noite,
Luzes nas janelas
Vozes, altas vozes
Eu acreditava em anões
Zangado era o mais engraçado
O meu lar era de muito amor
E muita discussão
Quando tudo se aquietou
Eu estava fora dele
Hoje os meus sapatos
São os calos dos meus pés
Andarilho, senti o vento e a chuva
Antes apenas previsões do tempo
Hoje o meu corpo estremeçe
São os calafrios da minha alma
Andarilho, senti a fome e a sede
Antes imagens na televisão
Hoje um cachorro achegou-se até mim
Boa peca, andarilho como meu
Dividimos os mesmo prato de comida na lixeira daquela esquina
Antes eu duvidava do sofrimento dos miseráveis
Hoje nasceu o sol, lindo como ele só
Maravilhoso, aqueceu o meu corpo esquecido
Malcheiroso e doentio
Antes eu via o abandono das pessoas e pensava
Como pode o ser humano ser esquecido
Morri já faz algum tempo
Os amores que enchiam a alma se foram
Chegaram as conversas vazias que se repetem
A violência que é mostrada nunca é a verdadeira
Dói ver jovens crianças, meninos e meninas, ainda
Cheirando coca para se formadas chegarem ao crack
Os seus corpos vão perdendo valor
Destruídos para sempre no seu interior
Muitos são rasgados ainda virgens e gotejam sangue até no céu da boca.
O mundo é um lugar imundo aonde vivem ainda os anjos do Senhor
Protegem as almas tementes até aonde vai a sanidade do amor
Quem puder salve almas, limpe feridas, tire impurezas
Viva o bem, ofereça o amor, enquanto Deus permite-lhe.
O usuário das drogas prefere o inferno
Menos quente do que o seu interior.
Que nós saibamos respeitar os miseráveis
Pois a nossa hipocrisia é muito mais tendenciosa quando temos pena.
O miserável ri do nada, fala pro nada, cheira o nada
Olha o nada que somos nós, uma vitrine no qual se espelham
Pois um espelho reflete o que está diante de si
Quebrados nós em pedaços, mil miseráveis hão de surgir.