Vazio

Sinto às vezes feroz desejo de criar

Sem saber como ou por onde fazê-lo

Sem saber nada que não essa avidez que me consome e que cria-se a si mesmo dentro de cada parte que me compõe.

Deixei há muito (pouco, talvez nada) de lado as composições carbônicas e açucaradas para limitar-me à fonte primária de luz, interna à geometria quadrangular do microcosmos que jaz em minhas mãos.

Sem firulas, sem arabescos, sem poetizar em demasia.

Chega. Dir-te-ei com a concisão simples, simplória, simplista,

daqueles que vivem sem os grandes revezes do poeta, infeliz que fez de sua vida ser inútil poeta

(Vê, repara como criei outra digressão ilimitada e que permitiria lacunas a que se inserissem outras e outras e outras, a permear cada vão espaço, ora verdadeiramente vazio, ora cheios de uma prolixidade transbordante que de tão inútil, se anula em uma sucessão de espaços passíveis de serem habitados por qualquer outra coisa que se possa fantasiar)

Dir-te-ei, finalmente, sem mais exaurir o ar que me inflam os pulmões e desgastar a parca vibração de minha voz

Dir-te-ei, sem mais adendos: escrevo no bloco de notas do meu celular.

Nasce em mim, por espontânea geração do som que se faz energia que se faz poeira que se faz matéria:

poema.

Surge por si só

Escolhe a dedo suas próprias palavras e dita-as em seu próprio compasso

Quando as quer, sussurra cada uma, ora solitária e afastada de todas as outras formas de vida

Ora acompanhada de outras mil que se atropelam e devoram e envolvem-se em um turbilhão disforme que permite-se a compreensão e registro ou então seguindo aos instintos mais primitivos envolvem-se com tamanha intensidade que fundem-se.

e tornam-se

( vazio )

Depois do vazio, penso em encerrar o poema

Fez-se a criação. Fiat lux conjugado no pretérito mais-que-perfeito. Encerrou em si sentido completo. Tangiu seu propósito de existir e um final que podia dizer-se com peito inflado que fora um estupendo final.

Porém o poema deseja prolongar-se. Continuar a gritar suas locuções em fila indiana de fonemas que tropeçam em seus próprios pés d'outrém

E o pobre inútil poeta outra vez derrama-se na melancolia do criar que por ele flui em trancos e sólidos encontros.

Não sabe mais.

(Satis)fez-se o poema.

Fim.

Nicolle Ramponi
Enviado por Nicolle Ramponi em 24/06/2018
Reeditado em 24/06/2018
Código do texto: T6372293
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