Eu sou aquele

Eu sou aquele menino

prestes a completar sessenta e sete anos;

eu sou aquele senhor

que acaba de dar um arroto,

que faz birra para fazer a barba

e engraxar os sapatos.

Eu sou um menino senhor de si

e um senhor às vezes fora de si:

metade homem, metade guri.

Eu sou aquele que ri, chora,

inventa estórias, ama,

desama, trabalha, enrola

esquece os amigos,

detesta festas e compromissos,

não tolera romantismo exagerado

e nem piada que demora.

Mas que já não reclama,

viu que não adianta,

a incoerência está em tudo

e em todos,

embora procure se manter coerente;

sim, eu sou aquele que não perdeu a capacidade

de se indignar com a injustiça

sem, no entanto, dar murro em ponta de faca,

mas que não tapa o sol com a peneira

e, mesmo que capengando,

sonha com o novo,

não vai na onda das tradições.

Sim, eu sou aquele que acredita

num mundo melhor para todos.

Eu sou aquele que pensa sério

e fala divertido,

é duro na queda

e suave no plano,

aquele que fala sim do passado,

só que vive o presente;

eu sou aquele que mente

para não esticar conversa fiada,

fala verdades,

inventa amores,

voa em causas perdidas

e não pede penico.

É, eu sou aquele velho pai cujo filho lhe diz:

- Pai, você parece uma criança.