O último poema
No caminhar das coisas,
no tanger das horas,
um rastro de inocência esmaece na poeira do tempo.
A algaravia de outrora silencia ante
a estupidez das coisas vigentes.
Os sinos não dobram mais,
pois os sineiros abandonaram o posto.
A cruz na curva do asfalto não recebe o afago das flores,
resiste às intempéries e a voracidade dos cupins,
como a implorar em orações ao céu plúmbeo,
que a salve desse silêncio sepulcral.
O amor caminha com passos trôpegos
e a paixão corre afoita.
As coisas continuam coisas desumanizadas.
As folhas caem no outono e dão seus lugares a roupas novas.
Enquanto isso o novo homem nasce coberto de rugas e rusgas,
sob velhas regras.
Ninguém parece se importar mais com o andar das coisas.
As ondas do mar parecem cansadas de beijar as areias, erodir barreiras e o gado segue obedecendo o aboio do vaqueiro indolente.
Não se ouve barulho na lagoa.
Tudo está num silêncio de sangrar,
silêncios e estrondos de aviões riscando o céu,
de preces na terra e gemidos no mar.
Refinarias não refinam o ouro negro.
A plataforma 136 submergiu com onze operários.
A base militar de Alcântara explodiu
e fragmentou no ar vinte uma pessoas.
O último poema entalado na garganta se despede em silêncio.
Amém