Delego a ti

Gosto de te ver assim

Tão despojada e fria,

Desafiando o mundo

E o fim do mundo.

Teu ar de mandatária,

Toda soberana,

Encanta-me,

Fascina-me,

E alucinado te sigo.

Delego a ti

Plenos poderes

Para fazeres de mim

O que bem quiseres,

Pois tanto mexes

Com os meus brios

Que até já os perdi,

E me entrego todo a ti.

Serei teu servo,

Invisível,

imponderável,

E às vezes até palpável.

Podes de mim servir

Como o mel do desjejum,

Como bicho de estimação

Ou algum trapo de estrela

Que um dia já foi sol,

E que talvez ainda te dê a ilusão

De algum raio perambulante

Pra aquecer algum canto

Vazio e obscuro do teu peito,

Para te servir

De tola inspiração,

Ou algum fugaz delírio.

Delego a ti

Meu ego

E tudo o mais que eu tenho dentro de mim.

Serás assim

A comandante-em-chefe

Dos meus sentimentos todos,

Um a um,

Ninguém jamais o saberá. ,

Não te preocupes,

Que nem mesmo tu

Jamais o saberás.

Pois se acaso descobrires,

Eu vou estar em lençóis

Que não têm dó nem piedade.

Certamente rirás de mim,

Ou quem sabe

Teu duro olhar

Condenará,

E irás então mandar-me

Para o décimo,

Para o sétimo dos infernos,

E cuspirás

De nojo e entojo

Sobre minha triste presença,

Subserviente, fraca, imprestável.

Delego a ti

O meu amor

Inútil, casto, fornicador,

Lacaio e impudico,

Dual, simplório,

Inglório e ébrio,

Servil, profano...

Mas absurdamente lindo.