BAIXA IMUNIDADE

Era noite e quase nada

Um rasgo de sinfonia

escutava o que eu dizia.

"De nada", falou-me a jornada

quando eu disse "obrigada"

por encontrar minha chegada

na fonte recém-nascida

do sonho de te encontrar.

Fronteira menor não havia,

manto de espelho d'água

divisória, quase ar,

liberdade dividida

entre o sono e a vigília.

Ali, em mim tu existias

na encruzilhada das mágoas,

ponto em que a dor morria.

Perto, num estio se abria

teu jeito de me querer,

na boca da noite, ironia,

teu jeito de não dizer.

Estava estranha a estrada!...

Ventania alucinada,

não varrera tuas pegadas

teu cheiro, tua mordida

em minha amora escondida

sob dois bicos de seios.

Do meu fazer a labuta

era tua e a fruta

que havia mais saborosa,

meu corpo te oferecia.

Tua paixão de pimenta,

a mais vermelha e cheirosa

hálito de vinho e menta.

Sorria em mim teu jeito,

tocando-me sem receios

como se a bico de pena

escrevesses tua prosa

a tua toada em poemas

traçando rotas sem lemas

despetalando-me a rosa

na pele, dos poros a prosa.

Desacato aos meus dilemas,

esquadrinhavas o amor,

pisando no falso teorema

de armadilhas sem trilhas

com tuas solas de aço,

redesenhando meu traço

na linha calma da alma.

Tenho pouca imunidade

ao comando da tua voz.

Em águas quentes derramo

meu rio de muitas vontades,

que inventei porque te amo.

O que posso na verdade

quebra-se vaga de amor

minha espuma em tua foz!