MOTO-CONTÍNUO

o mendigo bateu em meu portão,

"um poema, pelamordedeus!"

abro a porta, atendo ele

uma testemunha aproveita e me mostra o paraíso

de relance

depois me pergunta se tenho um minutinho

digo que não

à mesa, pergunto ao garçom se tem rimbaud

o garçom me oferece aimé

me deleito com um hermeto 1979

faz frio nas ruas

vestido de oiticica, pergunto a pirandello

"que aconteceu? por que está em silêncio?"

"tô na minha, ceciliando"

a cigana pede para ler a minha mão

dou a ela dez reais e ganho

um amém, um axé e um namastê

viro a página, dobro a esquina

tropico na própria sombra

sempre à frente de mim

caio mas não desmaio

ressuscito sempre antes do fim