RETORNO
RETORNO
a tarde era bebida às colheradas
por noturnas nuvens anoréxicas
e o céu tombado de estrelas
resmungava seu direito de escurecer
nas sarjetas
nos lixos
nos bicos das aves
nas frestas das portas
as casas denunciavam
os recém-chegados da rua
janelas pudicas fechavam-se em cortinas de voal
as roupas sentadas nas cadeiras
e os sapatos adormecidos debaixo da cama
reclamavam do balanço
das toalhas e meias no varal
e os chinelos,
descansados do dia
cuidavam dos cansados pés
de repente
um cheiro bom se derramava
no parapeito da janela
vinha do franguinho com quiabo
sobre a boca do fogão
resfolegando na panela
Mírian Cerqueira Leite