RETORNO

RETORNO

a tarde era bebida às colheradas

por noturnas nuvens anoréxicas

e o céu tombado de estrelas

resmungava seu direito de escurecer

nas sarjetas

nos lixos

nos bicos das aves

nas frestas das portas

as casas denunciavam

os recém-chegados da rua

janelas pudicas fechavam-se em cortinas de voal

as roupas sentadas nas cadeiras

e os sapatos adormecidos debaixo da cama

reclamavam do balanço

das toalhas e meias no varal

e os chinelos,

descansados do dia

cuidavam dos cansados pés

de repente

um cheiro bom se derramava

no parapeito da janela

vinha do franguinho com quiabo

sobre a boca do fogão

resfolegando na panela

Mírian Cerqueira Leite

Mileite
Enviado por Mileite em 14/04/2018
Código do texto: T6308153
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