RÉQUIEM ÀS VÉSPERAS DO TERCEIRO MILÊNIO
(para Adérito Matos Nunes, in memoriam)
“Alegria! Alegria!
Schiller.
A morte fez um buraco no coração dos vivos.
Veio com sua corte, seu séquito de lembranças:
os fados da Mouraria, Ary dos Santos.
Moras, agora, na placidez do etéreo,
na plenitude de quem cumpriu a missão de pensador,
filósofo dos peixes, das paellas valencianas,
das lulas roxas, de olhos mansos e opacos.
Morto, tens a máscara permanente
dos que aceitam a condenação eterna de viver.
No canto de vida e morte de Athaualpa Yupanqui,
Jorge Cafrune, Chalchaleros e Los de Quilla Huasi
sinto a Pampa larga e o Altiplano que amavas.
Se te houvesse conhecido, José Larralde – o da barba tordilha,
por certo romancearia teus poucos fios de cabelo.
E o sol pleno de luz que o teu riso americano iluminava
era o sal dos embebidos de liberdade.
Que surja bem devagar a luz desta manhã
e se erga sonolento o cantar diurno,
para que possamos curtir tua material presença,
ó português dos raios!
Iludamo-nos de que a vida é apenas isso:
estarmos juntos, como postes apagados,
mas certos da proximidade mágica da rua,
artéria por onde correm angústias do coração amado.
Vai-te, português, ao mundo dos sonhos.
Lamentações somos nós próprios,
que ainda não sabemos das vielas estreitas,
espaços e mares que já pisaste e nos ensinaste
no idioma de Shakespeare e Oscar Wilde.
Vai-te com tua bonomia culinária
e prepara a chegada dos dias de festa.
Que um rancho folclórico, de sandálias gastas,
perpasse a alma açoriana,
com os corações do Minho e de Trás-os-Montes,
e atravesse os Pirineus galegos
em tuas novas margens,
com alegrias e alegrias!
Sei que construirás – como sempre fizeste – um Portugal
não tão grande como o de Camões,
nem tão airoso quanto o Poeta da Raça,
Fernando Pessoa.
Mas, por certo, reunirás Gabriel e seus Arcanjos
para um final de tarde
com um bom vinho Mateus e uma lagosta
escondidos sob as asas angelicais
do Malaquias, de Quintana,
e dos sapecas amores celestiais
de Vinicius de Moraes.
Canta, amigo, porque tua passagem sempre valeu a pena
e nunca soubeste ser pequeno
aos olhos e ouvidos de todos nós,
que, para sempre, te saberemos vivo.
Vai, português, aos recantos do universo
do verso vivido,
vai para os teus novos amores.
E que a cerveja esteja bem gelada!
- Do livro O POÇO DAS ALMAS. Pelotas: Ed. da Universidade Federal, 2000, p. 95:7.
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/630169