COISAS INACABADAS E O TEMPO DE VIVER
(para Lourdes Maria Ayres, in memoriam)
“Amanhã que é dia dos mortos vai ao cemitério.
Vai e procura entre as sepulturas
a sepultura de meu pai.”
Manuel Bandeira.
O sudário do Pai Eterno
abençoa a tristura que paira
pelos recantos do Jardim da Paz.
Traz o transe dos soluços,
o rosto do meu Pai,
como se possível fosse
mitigar o sofrimento.
O rosto do Pai nunca é a carranca
da reprovação, nem do desalento;
tem a doçura das flores
e o bálsamo da lágrima ardendo sobre a face.
As vozes de meu Pai só sabem dizer
obrigado, obrigado!
por havermos compreendido
o segredo da pomba da Paz.
Os olhos de meu Pai
esgarçam vivos, além do arguto.
Neles repousa o espanto
das coisas inacabadas,
esta surpresa de continuar vivo.
Pousa no horizonte,
bordado de silêncio,
o pássaro da estranha Paz.
Pródigo de vivências,
costuro a túnica inconsútil
sob as bênçãos do Pai Amado,
senhor da vida e da morte.
- Do livro O POÇO DAS ALMAS. Pelotas: Universidade Federal, 2000, p. 86:7.
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/630164