PVA
havia ainda no ar
o cheiro da tinta
que compraste na oferta
barata por ser branca
barata talvez por não ser a certa
pois não cobriu os bolores
não escondeu as rachaduras
e o pouco que ficou na lata aberta
solidificou-se como concreto
quantas demãos deste?
não terias quiçá pintado com água?
tanta labuta para a tonalidade incerta
perdeste tanto tempo numa só parede
que as outras ficaram ainda mais mal cobertas
vês o teu nome escrito a lápis?
vês as marcas de quando comparávamos nossa estatura?
de nós nada sobrou nesta sala deserta
nem os ecos de nosso próprio dialeto
um branco não branco aquele
de uma leve e triste sépia
que emitia um claro alerta
de que o branco tem seu mal
e que o negro nem sempre o coração aperta
ainda vejo rabiscos próximos à janela
e tuas impressões digitais ao lado da porta
o que me vem não tem nome mas desperta
tem alma de dragão e corpo de inseto
iniciaste os trabalhos
mas deixaste o final para mim
como se incapaz foste de fazer a coisa certa
ou quiseste me por à prova
pois quem dissimula com a perversidade flerta
não me convenceste com teu branco impuro
transparente a ponto de permanecermos nus
ainda que estranhos pela indiscrição da porta entreaberta
da casa sem dono e do labor incompleto