Dor inédita

Estou a procura de uma dor inédita

Uma dor que não doa durante a noite

que não doa tão aguda no coração

e se doer, que seja breve

que se encerre antes mesmo de o sol nascer.

Estou em busca de uma dor que não doa tanto

e que também não provoque tanto lamento

procuro uma dor inédita, ainda não descoberta

que talvez tenha mesmo de ser inventada

tão incerta quanto a sua procura

uma dor que não provoque tontura

e se a vertigem for um de seus preceitos

que se possam pintar constelações inteiras

bem diante dos olhos rotos, tomados por sua maldade.

Procuro uma dor de verdade

não essas dorzinhas da cidade

aquelas bruscas do campo, que provocam feridas na alma

procuro uma dor inédita, dessas que só se vê em filme de horror

diante de tanto pavor sigo sem chão

chorando com a mãe que enterra seu filho adolescente

vítima das mazelas da periferia das grandes cidades.

Procuro uma dor de mãe, a beira da cova de seu filho

chorando rios de lágrimas, estraçalhada por dentro

de tanto lamento e dor comum que há por aqui

pela falta de zelo dos políticos e dos governos

por tantos enterros e perdas

por todo esse descaso com os jovens

que são condenados a morte antes mesmo de nascerem.

Procuro a cura ou um remédio qualquer

que nos livre da fúria desses imbecis

que não se doem ou sentem dor qualquer

por tanta barbárie e falta de senso

que não se lamentam ou percebem um lamento sequer

de tanta dor comum existente por aqui.

Será que de tão cegos não percebem?

Chega de lamentar por tão pouco

chega de dores comuns

se só nos resta sentir dor

então chega de dores fajutas

ficaremos só com as dores inéditas.