Nu
Nenhuma roupa.
Como o rei.
Nu.
Cobriste tua pele com os tecidos mais nobres,
tua posição, teu trabalho, teus pertences
e tudo o mais que pudesse te camuflar o espírito.
Em vão.
Tua dor grita e se esgueira entre as brechas,
lançando cinzentos raios para fora de ti.
Atingem distâncias, rasgando os olhos
de quem consegue te ver,
assim translúcido e martirizado.
Mas ferem mais tua alma em chamas, despedaçada,
desmanchando-se lentamente
na noite escura e infinda do teu sofrer.
Lançaste a ti mesmo uma maldição que te está fundida ao calcanhar
e quando caminhas, te oprime o andar,
para que nunca te esqueças da angústia que,
como uma peste, te consome, de dentro para fora...
Nenhuma roupa.
Como o rei.
Nu.
Tudo te pode cobrir a pele intacta, mas a consciência dilacerada
vomita a solidão que te habita o interior
e exibe o âmago vazio do teu coração,
que padece pela ausência de amor,
pálida e triste sombra do que um dia foi.
Nu, enxergo tua covardia, rubra,
escorrendo por todos os teus poros.
A redenção está ao alcance da tua mão direita
Mas não a vês, com teus olhos vazados
pelas bicadas lancinantes da vaidade.
Cego, inventas um mundo irreal para te iludires de que vives.
Neste fictício mundo, podes ser tudo, ter tudo e tudo fruir.
O inexorável tempo, dissimulado,
arranha teu destino, encobre os caminhos que poderias trilhar
para, finalmente, ultrapassar a dor.
Um Prometeu humano, miserável e execrado...
Novo dia se aproxima e o ciclo se reinicia...
Nu.
Como o rei.
Nenhuma roupa...
20.12.1990