COMO SURGEM AS HISTÓRIAS
O autor, romancista contista ou poeta,
vai colhendo impressões de tudo que o cerca
e quase sem querer
porque levita entre a benção e a maldição
absorve da realidade
os sons, as reações das pessoas, os sabores,
expressões de um rosto de desconhecido,
o choro de uma criança, o olhar de um velho,
o brilho das estrelas, a ausência da lua,
flores,
chuva,
sequidão
e até a opinião de outras pessoas.
Essas coisas colam primeiro na retina
do autor, romancista contista ou poeta,
depois repicam nos seus tímpanos,
escorrem por dentro para suar salgado na pele
grudam sem paz para depois descer
até um órgão que a ciência ainda não descreveu.
Esse órgão é um pedaço de tecido esponjoso
que fica perto mas oculto do coração,
ali misturadas as impressões sedimentam
uma só imagem como se fosse montagem de filme.
Sem saber muito bem como isso acontece,
o autor, romancista contista ou poeta,
escreve deixando entrever nas voltas do retorcido
o coração da narrativa.
Assim uma história feita de fios invisíveis surge,
de um quase entrelaçado a outro sobreposto ao demolido.
Do que veio habitar o retorcido espírito, surge,
o que não haveria se não houvesse leitura.
E assim se conta como surge uma história,
desencobrindo e devolvendo ao Mistério
de minérios liquefeito
o mistério que nenhuma palavra explica.
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Baltazar Gonçalves