Cantares

CANTARES

I

Eu sou aquele que venho da senda escura,

e per la selva selvaggia segui a luz da tua voz

— tua voz de cânticos

onde vibram e ressoam coros de arcanjos entre liras e harpas

favo e mel, roxa uva, vinha em flor.

Só tua voz é o caminho.

E entre lírios e pétalas de rosa teu perfume era o meu guia.

Eu sou aquele que venho da senda escura,

e per la selva selvaggia segui a luz da tua voz.

II

Era uma vez o escuro no abismo da alma,

Desesperança, sombra, urros e clamores desesperados.

Era uma vez uma alma esquecida.

E era uma vez o abismo

e a angústia da alma.

Quomodo cantabimus canticum Domini in terra aliena?

Não mais lembrada

E era surda,

muda,

os olhos secos,

petrificados,

A língua podre

e nada enxergavam os olhos petrificados

e ao desespero inútil da fala -- era muda -- o hálito apodrecido.

Era apenas angústia e clamores desesperados.

Quomodo cantabimus canticum Domini in terra aliena?

surda, como seguiria o caminho?

muda, como chamar te o nome?

secos os olhos, como a luz da tua face?

E hirtos os músculos,

enrijecidos

como cair te de joelhos?

pois que era como morta

E só tua voz era o caminho.

III

E era uma vez a luz de teus olhos

Era a luz a lua e a aurora de teus olhos

E ao luar de teus olhos de lua

o clarão e o fim das trevas, o fim da morte e o fim do fim.

Luz e clarão o luar de teus olhos.

'tu me ravis le coeur, ma soeur, ma fiancée, tu me ravis le coeur par l'un de tes regards'

E só os teus olhares conhecem o caminho.

E entre angustias e o crepúsculo da morte, tu me resgatastes

E me deste morte outra vez,

morte cruel

morte eterna

morte de amor.

Quem, se eu chamasse, dentre os coros dos anjos me ouviria,

senão tu, bem amada irreparável?

Tu, só tu

me ensinaria o caminho,

Pois só teus olhos e tua boca, tuas mãos e tua face o conhecem.

Só tu viria ao meu encontro!

E eu

flecha e águia junto a ti, pois te achei

Te achei e me encontrastes,

flecha e águia — malade d'amour!

supra laetitia mea

Tua alma prenhe da minha

da tua embriagada,

Nosso amor é um ventre fecundo

E temos mesmo sexo

e o mesmo nome

uno! uno de illes multis! Enivrez-vous d'amour

Que sa main gauche soit sous ma tête et que sa droite m'embrasse!

IV

Boa noite, bem amada

Quanto ainda dura a eternidade em teus olhos?

Tua brancura ainda é a mesma

Que dá cor às asas dos arcanjos?

Tuas mãos ainda aquelas

Por quem mil impérios se digladiariam?

E teu pescoço ainda ornado

Com o colar da tua graça?

E tuas curvas? tua boca?

Teu núbil colo e teus cachos

Ainda dão testemunho de tua beleza imorredoura?

Amada dos olhos verdes

Da pele verde,

esverdeada é tua boca

e teus olhos de esmeralda.

Ai! Que seja eterna em minha alma a lembrança de teus encantos

Eterna em minhas mãos a maciez da tua

Eterna em minha boca a fala de teu nome

Que fiquem cegos eternamente meus olhos para tudo que não lembrar tua face

Tua voz eterna em meus ouvidos

Eterno o teu perfume aquecendo-me as narinas

Eterno o teu vagar passeando na memória

Pois tu me chamastes, e mão a mão conduziu-me à morte

morte louca

morte cruel

morte adorada

morte de amor!

Não mais lembrados nossos nomes,

Desfeita nossa carne, esquecidas nossas tumbas

Jamais saberão que pisamos na terra

E ainda assim seremos amantes.

V

Pois só por amor se vive, e só de amor se morre, 'e aqueles que morrem de amor não morrem nunca'.

Pois pode tornar a semente o aroma e o carmim e desfazer-se pétalas e espinhos à rosa desabrochada?

Não, senhora,

nem a morte alcançara apagar em seus olhos o testemunho da alegria: tanto dura a visão de uma noite em teus lábios — no fundo do coracão

Não senhora, o amor não morre — quia fortis est ut mors dilectio — e os possessos dele como o violão prenhe de música já não são mais que instrumento do amor.

Eu sou aquele que sabe tua voz e o caminho,

Aquele que beleza e amor consome, e de beleza e amor se nutre

Pois a beleza é a profissão do homem.

E eu

— ego poeta —

macho e sábio, da beleza me ocupo.

Maio, 2017

Luís Moreira
Enviado por Luís Moreira em 22/02/2018
Código do texto: T6261466
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