A HISTÓRIA DO MENINO QUE FEZ A MORTE CHORAR

Me contaram que havia um bosque

e esquecida no fundo dele uma vila.

Na fronteira da vila e ainda dentro do bosque

moravam o pai, o menino e sua mãe doente.

Os médicos de todo o reino já tinham respondido

ao nosso pedido de socorro mas mulher adoecia.

Cada dia mais pálida, mais fraca, fora bela um dia.

A pele do seu corpo secava, seu rosto enrugava

diante dos olhos da noite para dia,

era como um pergaminho antigo onde ninguém reconhecia

tal escrita nem a história terrível que o papel escondia.

Até aqui sem esperança estavam tristes o marido e o filho:

minha mulher é pessoa tão boa - o homem dizia

minha mãe morre qualquer dia - soluçava o filho.

A morte montava guarda na soleira, do lado de fora

sob a eira da palhoça, vez ou outra estendia o olhar

para certificar-se que sua espera chegava ao fim.

Numa noite em que a tormenta ampliava essa dor

na escuridão maciça uma vela foi acesa

e o clamor do menino pela Morte foi ouvido.

Inclinando de viés o olhar dentro da penumbra

a Eterna Dama de nós oculta adivinhou

nos joelhos dobrados do jovenzinho uma dobradiça

metálica que o sustentava de pé contra a paralisia.

Ao lado da cama o filho dizia num morno sussurro:

_ Criador de todas as coisas, não me deixe desamparado.

Sem pai eu sobrevivo mas sem a minha mãe sei que não vivo.

Aliviai nossa dor, resgatai no corpo dela o mal feito

e dai-lhe mais vida... Mesmo que para isso da minha

ainda por viver sejam abreviados os dias.

A Morte que a tudo ouvia se compadeceu do menino.

Contaram mais tarde que foi uma lágrima dela

que borrou o contorno escuro da noite sombria.

Com a primeira luz do dia bateram à porta.

Quem será?

Os vizinhos de nós já desistiram.

Quem será?

Os parentes não voltaram mais com o fim da nossa alegria.

Quem será?

Boticários, médicos, curandeiros... Todos desistiram!

Quem será?

O pai abriu a porta, o filho atendeu dizendo bom dia.

A mãe agonizava em silêncio de parto ao contrário...

Vestido de preto, com ares de um gato calmo encurvado,

o Anjo da Morte foi convidado a entrar, deu dois passos,

não respondeu ao sincero "bom dia" e nem sentou-se.

De pé anunciou a cura do mal na existência rara de uma flor,

uma flor violeta solitária que florescia depois da fronteira da vila,

já passado o profundo do bosque, no alto do penhasco,

depois do longe da margem do nosso lago que seca.

De pronto o pai disse “eu vou”

mas entendendo o mistério e antecipando o gesto dele,

o menino argumentou: “o lago seca, o bosque morre,

a vila empobrece, minha mãe morre...

Mesmo que para isso da minha vida ainda por viver

sejam abreviados os dias - eu vou!

E foi.

Sem notar à luz do dia o sorriso meio triste do Anjo

que mais nos parecia uma velha toda torta

tentando não chorar de alegria.

O menino partiu confiante em busca da aventura cega

e ao encontrar no caminho o que diminuiria a sua vida

trouxe de volta à roda dos dias o vigor de sua mãe

que passou a beijá-lo mais todos os dias enquanto ele vivia.

Das voltas do Mistério enrodilhado no mistério da chegada

aqui não se conta mais que a maravilha da partida.

Quem quiser saber do oculto nos breves rasos da vida

deve com a mesma coragem cega também partir um dia.

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 22/02/2018
Código do texto: T6261243
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