CUNHAPORÃ - UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE 07

CUNHAPORÃ - UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE 07

Para quem está chegando agora.

CUNHAPORÃ – UMA HISTÓRIA DE AMOR é um poema-romance épico, composto de 271 estrofes e 1495 versos, dedicado a Gonçalves dias. Por sua extensão, ele será publicado em 9 capítulos semanais.

Para que o entendimento do enredo não se perca, procure ler a partir da PARTE 01.

Se Mestre Gonçalves Dias, de onde estiver, puder considerar este trabalho como retribuição a tudo de belo que nos ofertou, fico feliz, porque o simples fato de falar seu idioma e poder ler sua magnífica obra nos originais, já me torna um felizardo.

JB Xavier

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CUNHAPORÃ - Parte VII

O SILÊNCIO DO LAGO

Porém a tragédia ainda não se findara,

E o povo que sempre o cacique endeusara,

Em bem pouco tempo também o esqueceu.

O chefe que outrora, com muitos amigos

Rompera tacapes, vencera inimigos,

Voltou, sim, à vida, mas enlouqueceu.

Seus olhos dispersos não tinham mais foco.

Crianças sorrindo, corriam em bloco

E de Ygarussú iam escarnecendo.

Com medo, corria a embrenhar-se na selva,

Por horas e horas deitava na relva

Enquanto seu corpo ia esmorecendo.

Nem mesmo os tupis, seus irmãos conhecia.

Dos homens, crianças e moças fugia

Qual lebre assustada, de medo e terror,

Enquanto a aldeia homenageava

O novo cacique que já governava

Em nome da paz, harmonia e amor.

Tempos depois ninguém mais se lembrava

Do grande Oyakã que um dia bradava

O desejo doentio de um dia ser deus.

Vivia sozinho em meio à floresta,

Não ia à aldeia, nas danças, nas festas,

Até que, esquecido, afastou-se dos seus.

Às vezes, no entanto na selva ecoava

Um grito de guerra que aos céus se elevava

Num ponto distante da grande folhagem.

O grito que outrora acuara inimigos

Em sua chegada, seus medos, perigos,

Não tinham agora nenhuma mensagem.

Ouvia-se às vezes, no entanto, gemidos,

Sons guturais, soluços, bramidos

Ininteligíveis, à luz da manhã.

E sempre um nome então se ouvia

À noite, à tarde, na selva sombria

Num triste lamento: Cunhaporã .

Sem nunca deixar o arco de lado,

O louco podia ser sempre encontrado

Crivando de setas um grande carvalho.

Precisas, mortais, ali se encravavam.

E o louco sorria dos que observavam

Por entre a carranca, qual tolo espantalho.

E havia até quem ousasse dizer

Que o mau Anhangá estava em seu ser

Levando-lhe o corpo e a alma guerreira.

Cobrava seu preço - falavam medrosos.

E cortando caminho iam temerosos

Orar a Tupã , à luz da fogueira.

* * *

Caía a noite, muitas estrelas

Já cintilavam.

Os bichos todos se recolhiam,

Já dormitavam.

Em claro espelho se transformara

O lindo lago.

Nenhuma brisa o incomodava

Com seu afago.

Tupã descera a paz suprema

Por sobre o mundo.

E o sol no ocaso, lá descamba

Já moribundo.

Distante o canto gentil se ouvia

Da araquã .

Um grito ao longe rompeu a noite:

"Cunhaporã !"

"É ele! é ele! que vem na noite

De sua loucura,

Vagando a esmo o pobre louco

Por mim procura!"

"Tupã o guie na noite escura.”

- Disse Nhuamã .

Mais perto o grito soou mais forte:

"Cunhaporã !"

E Nhuamã envolveu terno

Num grande abraço

Seu grade amor

A protegendo em seu regaço.

"Que Jassy guie seus pobres passos

Até a Manhã."

Mais perto o grito soou mais forte:

"Cunhaporã !"

E sobre a pedra, a laje imensa,

Os dois amantes

Os gritos loucos ouviam sempre

De instante a instante.

"Que triste sorte guardou a ele

O deus Tupã !"

Mais perto o grito soou mais forte:

"Cunhaporã !"

"Deuses o levem o quanto antes

Da vida vã"

Mais perto o grito soou mais forte:

"Cunhaporã !".

Mais perto o grito soou mais forte:

"Cunhaporã !".

Mais perto ainda soou o grito:

"Cunhaporã !".

Ainda mais perto soou o grito:

"Cunhaporã !".

O grande ybirapar retesou-se inteiro.

Tensas as cordas chorosas consomem

A força inumana. Estalou o madeiro

Enviando uma flecha da altura de um homem.

Sentiu o charrua bem perto o perigo

Pairando na orla da grande clareira.

Do arco guerreiro, outrora amigo,

A flecha partiu assassina e certeira.

A morte soara o acorde fatal,

E a flecha, qual raio, o espaço cortou.

Com baque macabro, qual louco punhal

O peito charrua ela atravessou.

Saiu pelas costas, luzente, vermelha,

Tingida do sangue do novo Oyakã .

E a vida, a seiva, a tênue centelha

Jorrou sobre os seios de Cunhaporã .

Ainda de pé, por longos instantes

Ficou o charrua, negando-se a crer

Que assim terminava seu sonho de amante.

De joelhos caiu, recusando morrer.

E Cunhaporã , que a fala perdera,

Imóvel que estava, imóvel ficou.

Um grito viera à garganta e morrera,

E o olhar marejado na noite faiscou.

Sonhos...

delírios...

devaneios...

mau augúrio...

A voz de yara soou

num débil murmúrio...

"Cuidado com a súcia

Do grande arvoredo!

Não tema ter medo!

Na selva, guerreiro,

O que vale é a astúcia!"

"...Tua amada...

Yara...dissera.

Cuidado... a morte... Em flecha ligeira...

Te espera..."

Distantes soaram as palavras de Yara.

Distantes... distantes... não mais as ouviu.

Dobrou-se o guerreiro, A vida findara.

Rolando da pedra, no lago caiu.

De longe, lá das fraldas da colina

Veio o pio de uma coruja, sonolento.

E o céu todo enfeitado em purpurina,

Registrou o assassínio tão sangrento.

Nada houve que tivesse perturbado

O sossego e a beleza dessa noite.

E as águas que haviam se fechado

Ribombaram pelos ermos, como açoite.

O escarlate veio à tona num só ato.

Nuvens negras rolaram no firmamento.

E Jassy vociferou:" Ingrato! Ingrato!"

E o eco foi-se embora com o vento.

Em instantes só restava o espumaredo

No sepulcro dessas águas agitadas.

E o silêncio perguntava ao arvoredo

O motivo dessa vida arrebatada.

Lá no fundo o corpo inerte do charrua

Confirmava a terrível realidade.

E brincando com seu corpo, a luz da Lua

De mãos dadas o levou à eternidade.

* * *

Próximo capítulo: ITAPIRANGA (Pedra Vermelha)

JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 23/10/2005
Reeditado em 14/04/2023
Código do texto: T62580
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