O ANJO NO ANTIQUÁRIO
Azul de céu e branco
Ruivos cabelos
Caracóis
Entre eles o sol não se sabe de quando
Os cotovelos na plataforma de friso d’ouro
A pequena mão segurando o queixo
A face rosada
O olhar fixo em um ponto no espaço
Delicada peça guardada na cristaleira
Valeria um mundo
Equivaleria a um tesouro
Não fosse o tempo, o vento
Minúscula testemunha de desconhecida história
De onde será que veio aquele anjo
Quem ali o abandonou à venda
Em que casa habitava
E quem dele tão bem havia cuidado
Me diga, passado
Anjo de louça, me diga
Que vidas você viu
Quais eram os personagens
Diga de suas joias e roupagens
Da juventude voadora
Conte-me sobre os segredos
Que em tão diminuto espaço guardas
E o anjo calado
Olhando para um só lado
Por favor, descreva as cenas de um jantar
Acesos os candelabros
O brilho da prataria
Da luz que enchia a sala
Fale das tardes grã-finas
Das conversas animadas das meninas
Da família ao redor da mesa
Da fineza bordada dos guardanapos
Da perfeição disposta nas bandejas, nos pratos
Conte-me ainda do baile de carnaval
Das fantasias de pierrôs e colombinas
Daquela gente toda, depois, na igreja iluminada
Vendo a noiva no tapete desfilar
Sorrindo em direção ao altar
Ó, anjo parado, percebo no seu olhar
A festa da família encantada
No nascimento da Margarida
E o anjo não me responde
Para sempre em seu mutismo está
Preserva o cotidiano vivido
Entre outros bibelôs espremido
Das asas de que o artista lhe dotou
O anjo jamais usou
Trouxe-o para casa
Alojei-o em bom lugar
Para que outras histórias possa observar
Em sua quietude de louça
Até um dia se quebrar