A ARANHA E A LAGARTA
Não foi uma luta justa.
Quando flagrei a cena
O aracnídeo já devorava
[a lagarta
Nutrindo-se lentamente
Das vísceras liquefeitas
Pelo veneno que lhe havia
[sido ministrado
E no qual agonizava
Por algum tempo
(Quem sabe dias?)
Antes da minha vista.
Sim.
A vítima estava detida
Sequestrada pelo artrópode
De oito patas.
O cárcere de seda
Havia lhe extorquido a cor.
Empalidecida, acinzentada,
A larva não poderia
Pagar o resgate
E a arquiteta da teia,
Calculista e alheia
Ao clamor de piedade,
Continuava as investidas...
A lagarta sucumbia
Um líquido esverdeado
Dela se esvaía.
Vida-selvagem-urbana!
A sobrevivência é mesmo
[profana!
A lei do mais forte
Cala os “sem-sorte”.
A fome devorava
[a beleza
Aquela lagarta perneta
Não se transformaria
Numa linda borboleta.
Talvez fossem lilás
Suas asas...
E meu jardim visitaria
[assaz
Mas ela veria jamais
O mundo de cima
Ao revés,
Morreria sugada
Em duas etapas
Pelo interessante
Sistema digestivo
Do aracnídeo.
Contemplando o espetáculo,
Imbuído de um misto de
[asco
E curiosidade estudantil
Resolvi fechar as cortinas
Da morbidade natural:
Alvejei a extorsionária
E a ofendida -
Que, a essas horas,
Não sei se resquício
De vida possuía
Ou se só o cadáver
Se retorcia
Pelos movimentos
Das quelíceras -,
Eu, que não sou doutor
Em biologia,
Com spray “mata-insetos”,
Comprado por oito reais
No supermercado mais perto
De nossa residência,
Dedetizei!
Apliquei uma grande quantidade
Que julguei suficiente
Para aniquilar, de vez,
Predador e presa.
Afinal, não gosto desses bichos
Feios no meu quintal.