SONETOS (primeiros e últimos) - Livro completo

Autor: Agnaldo Tavares Gomes

APRESENTAÇÃO

Aqui, meus primeiros e últimos sonetos.

Não que eu não tenha mais tinta para escrevê-los, mas que decidi por mim, ou melhor, pelo silêncio poético de uma das mais geniais sonetista que tive a honra de conhecer até então.

E uma homenagem justa e sincera a esta poetisa que, deu mais ênfase aos meus versos, foi senão adormecer os versos ao soneto...

O poeta continua mais vivamente a cada dia – embora sem escrever sonetos – mergulhado na silenciosa e ruidosa catedral da vida!

(As poesias que compõem este livro foram escritas em 2007.)

DEDICATÓRIA

Aos apaixonados pela arte poética:

Poetas e não poetas,

Mas poetas!

SOU LONGA

A noite dizia-me: “Sou longa...”

O vento assoprava com açoite

A velha mangueira sem mangas

Que não quietava um só instante.

Meus olhos à janela olhavam

Meus sonhos vagavam lá fora

Perdidos ao tempo sonhavam

E a noite dizia-me: “Sou longa”

Lá fora entre o jardim eu corria

De encontro a minha virtuosa

Que me vinha imersa à magia.

No instante em que a note sorria-me

Do céu um risco à janela

E a noite, “sou longa”, dizia-me.

TEU AMADO

Não te esconda ao infinito noturno

Pondo-me a amargura das noites

Posto à lua qual um vagabundo

A fazer serenata aos amantes...

Não te escondas; não me põe nulo

A teus pensamentos inutilmente

A teus olhares serenos, robustos

Nada mais nem menos que displicentes...

Não vê, assim sou triste

Triste a sentir-se inexistente

Qual poesia que não existe.

Me aceita a viver a teu lado,

Abra-me às janelas do teu mundo

Sou teu sonho, teu amigo, teu amado.

LIVRE

Na cordilheira dos sonhos

Deixei-me livre a sonhar

Entregue a ficção dos olhos

Acesos ao luar...

Deixei-me livre feito pluma

Levada ao vento noturno

A busca de nova rima

Que dê lustre ao meu mundo.

Deixei-me livre sem censura

A apreciar o elo do dia e a noite,

Ver o pôr do sol e o reinar da lua.

Deixei-me calmo à calmaria

A contemplar o horizonte

Escrever poesias aos amantes...

TONTOS DE POESIAS

Vamos entorpecer-nos de poesias?

Que tal trocarmos a noite pelo dia

Enamorarmos à Castro e Eugênia

Ao som da mais bela melodia?...

Vamos esquecer que lá fora há dia

Que o sol reflete na janela

E que os pássaros fazem folia

Saudando a primavera?...

Deixemos que amanhã logo cedo

Abriremos ao sol a janela

Após saciarmos de longo beijo...

Tontos de poesias acordaremos

E veremos o sol da primavera

E, de novo, de poesias, entorpeceremos...

INVEJANDO

Meu amor e o teu bailam juntos

Nas baladas das noites lindas

Invejando os amores outros

Que vivem a busca de rimas...

Que há de ser dos outros amores

O que importa é que estou te amando

E os outros são sós rumores

Invejando, invejando...

Os sonhos que bailam as noites

São sonhos de muitos amantes

Que amam, amam, se amam...

Tão grande é o nosso enlace

De todos os muitos romances

Que inveja, inveja, inveja-nos...

SONETO XVI

Teu corpo ameninado

Envolto a um vestido de organdi

É a coisa mais delicada

Incontestavelmente exuberante.

Tua face num ar deslumbrada

Num riso de mais cintilante

É a face mais bem contornada

Das tantas e tais fascinantes.

Teu andar é valsa serena

Valsada por entre flores

Porém só de açucenas

Tua fala é canção amena

Entoada num tom de amores

Aos teus dezesseis anos.

CÉU NOTURNO

Desce a noite depois do ocaso

Do desmaiar da tarde ao poente

Do branquear da lua no espaço

Deixando o céu risonho completamente.

Desce a noite e a lua desfila

No céu com extrema graça

Tornando a noite belíssima

Branqueada, sem véu, sem carapaça.

Eis a lua cantada e declamada

Pelos amantes da vida noturna

Que sob o luar fazem poesias e serenatas.

Eis cantores e poetas “vagabundos”

Em cantigas e jograis à Amanda

Rebuçados ao enluarado céu noturno.

A BELA DOS SONETOS

Delicada minúscula pétala de lírio

Afagada à brisa primitiva da manhã

Mansa e alegre como bons ventos fluidos

De belos e românticos versos líricos.

Magistrada na minha nobre coorte rainha

Musa única de meus versos tão morosos

Nos quais dedico minha vida como fosses a alegria

Do sorrir do sol e da lua em céus de poesias.

Contemplada na moldura com peça preciosa

De Picasso, Michelangelo, da Vinci;

Mais formosa tanto mais que a Mona Lisa.

Primorosa, bela dos sonetos de amores

De Shakespeare, Vinicius, Camões;

De tosos escritos quais estes, com primores.

QUERO

Quero ser o enigma dos teus segredos

O despertar quente e lícito dos teus risos cedo

Numa manhã comum e contagiosa

De pássaros a cantar... Orvalhos em pétalas de rosas.

Quero ser o planeta Vênus ao cair da tarde

Para adormecer à noite em teus olhos

E em teus sonhos ser lembrado infinitamente

Todas as madrugadas que se rompe com a aurora.

Quero brincar com os teus cabelos cor...

Não importa a cor, o que importa

É que eu quero envolver-nos meus dedos.

Quero morrer de amor... – se realmente se morre de amor –

Morrer e renascer em tua doce companhia

Como as estrelas morrer e renascem todos os dias.

SI DOAR

Si doar ao beijo do poeta das flores,

O beijoqueiro das rosas, das orquídeas

Que como nenhum outro tem amores

Em beijar as belas margaridas...

Si doar aos encantos das mulheres

Como fazem os cantores e os poetas

Que se entregam as noites, aos luares

Em cantigas e poesias libertas...

Si doar aos infinitos mares

Como as espumas dos vapores

As dissolvem como os arco-íris em cores...

Si doar como o poeta das flores

Os cantores, as espumas dos vapores

Dou-me eu aos meus muitos e infinitos amores.

UM AMANHECER NO SÉCULO IXX

Aos pregões do vendedor de cocadas

Rompe o silêncio da madrugada

E a lua tão bela à encosta desmaia

Ao apontar da aurora que tão logo se espalha...

Sapateio de solas desce à calçada

Donde se encontra a tabuleta postada

Que anuncia: Almoço de hoje feijoada,

Gorjeta ao garçom é conta da casa.

A diligência traz hora marcada

No relógio do moço que usa bengala

E logo que passa já é acenada.

Na janela da casa uma pedra atirada,

A jovem que a abre esboça rosada

Ao jornaleiro que a tem como amada.

SONETO BRANCO

Branco – ainda me recordo o rostinho da minha última namorada –

Branco como aquela nuvenzinha se desmanchando brandamente...

Como a densa neve em Paris caindo-se sobre

Casas e carros; arvores e outdoors...

Branco tem sido os meus instantes, meus minutos

Tristes minuciosos minutos brancos de aproveito...

Inúteis de mais para um homem de sonhos faustos

De ilusões passivas, devaneios...

Branco o meu pensamente sem retas paralelas

Sem uma mira onde eu possa me olhar e me achar

No porto de um seio ancorado...

Branco o restinho deste papel à minha máquina

Onde ainda repasso – com custo – os últimos versos

Deste soneto branco – mas meu – sem nenhum restinho de outra cor.

UM SONETO BRANCO E LIVRE

Aproveitando minha sede – a tinta –

Bebendo versos em bocas úmidas

Em beijos virtuosos – a ilusão –

Escrevo este – se alguém o chama – soneto.

Às vezes livres como os condores

Sobrevoando aos Andes...

Decaindo-se em vôos rasastes

Aos lagos onde apanham suas presas...

Livres!... E mais, são como lírios brancos

Sem nenhuma mescla de outra cor

Pois nele – no soneto – não há rimas.

Se encontrares alguma rima,

Algum verso metrificado a outro,

Trata-se de pura coincidência... (este soneto é mesmo livre

como os condores e branco como os lírios.

SAUDADEZINHA

Ah, saudadezinha danada!

Laças-me com tal zelo

Levando-me a triste jornada

Aprisionado ao medo...

Nesse teu cativeiro,

Saudadezinha dormente

Vivo sempre em devaneios,

Invioladamente...

Ah, coisinha sem graça!

Imagem de um palhaço

Com a face borrada...

Distante te quero,

Longe do meu alcance

Saudadezinha sem mero.

A UMA MULHER

Senti a essência mais doce que se sente

Desse amor que de tão moroso me é

Faz-me quere vivê-lo eternamente

E que não o encontro no seio de outra mulher...

E mesmo que eu vá assim de repente

Antes que eu termine o meu café

Vou ainda viver como antigamente

Sendo aquele amante a uma só mulher...

E enquanto vivo esta vida permanente

Amo-a com loucura de amor eterno

Estando-me presente mais que sempre...

Amo-a na busca incessantemente

Dá compreensão do é eterno

E esse amor que te amo é pra sempre!...

DILEMA

Que batam às portas de todas as casas

Até mesmo aquelas de paredes nuas

Que bêbados vomitem nas causadas

E durmam jogados como cães nas ruas...

Que as nuvens negras abram suas asas

E põem-se frente ao brilho da lua

Que vândalos apedrejem as luzes cansadas

E façam badernas, e as praças destruam...

Que o mundo treslouque de vez

Que gloriem as estrelas como deuses terrestres

Que as abram tapetes e as façam holocaustos...

Que a aurora ressurja a avidez

E o crepúsculo diurno opõe-se ao dilema

Mas que me deixa escrever o poema!...

NAS RUAS DE ANTES

Ando procurando por você

Na minha janela pensante...

Buscando teus olhos distantes...

Coisas pra eu te dizer.

Ando no meio-fio do tempo,

Nas linhas do arco-íris...

Sobre todas as cores... Ando

Nas cordas do pensamento.

Ando nas ruas de antes

Em que sorriamos felizes...

Hoje escuras e tristes.

Ruas desertas e mortas

Sem alegria, sem risos...

Depois de você ido embora.

SONETO É ASSIM:

So

Ne

To

É

Uma

Composição

De

Quatorze

Versos:

Dois

Quartetos

E

Dois

Tercetos.

AÇUCENA

Perfumada flor açucena

Doce vida, vida serena

Tão bela quanto o poema

Que a fiz o mais doce tema.

Encantada vereda estrelada

Encontrada tu és minha amada

Formosa, risonha...

A vida sem ti tem vergonha.

Encontra-me com os olhos amada

Deixe-me tocar sua face

Provar seu beijo mais doce.

Se a noite não é sombra da morte

Açucena tua és minha sorte

Viverei para sempre de noite.

AOS CANTORES NOTURNOS

Aos cantores que cantam à noite,

Preço a eles, não prometam a lua

A nenhuma de suas amantes

Deixando a noite completamente nua.

Que será do sonho juvenil

Sem a vela que as noites alvejam

Deixando-a cor azul anil?

Noites infinitas e belas!...

Vai que uma dessas de repente

Queira o luar das noites

Que um insano prometera loucamente...

Vai que o poeta lentamente

Feito um crepúsculo de luz

Padeça no céu ao poente...

MUSA DO MEU POEMA

(a Daiane Fernandes)

Bem formosa és tu, mulher do meu poema

És a canção que me leva a dançar

Neste infinito espaço entre o céu e o mar...

És tão disputada quanta fora Helena.

Quantos guerreiros caíram em cena

E quantos hão de cair

Depois e gradearem por ti?

Mulher impar, musa do meu poema.

Tu és um crânio carnudo, completo:

Quente, vivo, ativo...

E qual toda mulher tu és efêmera.

E qual mulher tu és Helena

E qual Helena tu és Daiane...

Tu és Daiane, musa do meu poema.

FANTASIAS

(a Lucilene Corrêa)

Surpreendeste-me num olhar... – eu sem defesa –

Pôs-me no corpo a chama acesa

Trouxeste-me ao peito os lábios quentes

Despertou em mim um desejo ardente...

E eu quis amar... Quis tragar-te o beijo

E eu quis tocar... Quis trazer-te ao peito

Quis minhas mãos recataste-lhe os seios

E estavam tremulas... Mas sem receio.

E a minha língua quis prendeste à tua

Quis minha boca beijar-te com doçura

Quis percorrer tua pele nua...

Quis saber o mistério das curvas

Os segredos da beleza admirável em ti

Que tanto é. E que me faz desejar-te com loucura.

SONETO À MANEIRA DE VINICIUS

Sempre, ao meu amor serei eu mesmo

Amigo, amante -se acredita- um fiel companheiro

E mesmo na distância de um ano inteiro

Ao meu amor serei eu mesmo.

Não há distância do meu amor no pensamento

O meu amor a todo instante se faz presente

Numa presença que não se ver, mas que se sente

E esse amor não diminui ao passo do tempo.

Vivo ao meu amor e ele vive a mim

E assim acreditando eu vou indo

Atravessando oceanos ao infinito...

E ao infinito eu vou sumindo...

Vivendo o meu amor o mais bonito

E na distância serei fiel, mesmo assim.

A UMA SONETISTA

O soneto que leio tem o som

Da moça que o escreve passivamente...

Jamais a ouvi noutro tom

Que neste que a ouço serenamente.

Ela me diz gostar de Drummond

Talvez pelo humor, provavelmente.

Eu Castro Alves, pelo dom

De servir a um povo extremamente.

Temos em comum o amor ao poema

E ela escreve tão bem o soneto

Um dia hei de vê-la correr a pena...

Mesmo que seja numa tela de cinema:

Ela à escrivaninha, eu na platéia, atento...

Mesmo que for assim, vale a pena.

SEMPRE DOIDOS

Deixaste-te desembarcar em mim

E te encontrei nua de alma

Vivendo em meu peito qual

O coração palpitante, sereno.

Deixando-me sem fuga, doido

Perdido e encontrado

No seio precioso de uma louca

Vivendo à mesma loucura:

Ora doce, ora amarga...

Ora feliz, ora triste...

Mas sempre e sempre doidos

Sei que ris também ao espelho

Com sarcasmo da própria beleza

Porém eu rio, por não me achar encanto.

NUMA NOITE ESCURA

Caiu o azul do céu numa noite escura...

Caíram estrelas... e caíste a lua

Porque no azul do céu nada pendura

Porque tentastes uma estrela e caíste a lua.

Caíste dos olhos lágrimas puras...

Caíram dos olhos no centro da rua

Porque caíste de uma estranha figura

Porque caíste de uma estátua nua.

Caíram lágrimas... E caíram tantas...

Porque foram lágrimas de olhos tristes

Porque não foram lágrimas de cinema.

Caíram lágrimas... Sim, caístes...

Porque foram lágrimas para um poema

Porque um poeta fez da Musa, santa.

ALUSÃO

Já vou indo, Julieta minha... É o fim.

Não me persigas, quis-te assim...

Não beba em minha boca o beijo morto,

Não me acalenta o pálido rosto...

Já não tenho vida... Estou frio...

Tu mataste-me! Não mais rio.

Mataste-me com tua ausência,

Morri cadente... Infeliz!

Ah, amiga... Fui o anjo peregrino

Aquele que deixastes à míngua... Ao relento...

Que negastes teus afetos, teus alentos...

Oh, minha Agnese... Sou Cecéu! Teu poeta...

Foste tu derradeira... Mulher do laço de fita,

Meu último hálito, último canto em vida...

SEM IGUAL

Bom ficar assim em você perdido

Rendido ao teu perfume suavemente...

Endereçado meu olho no teu olho

Mergulhado em você completamente...

E dentro do teu olho fazer o ninho

Pro menino do meu olho triste

Juntar a menina do teu olhinho feliz,

Pra sempre ficar assim carinhosamente...

Há de haver muitos amores depois da gente,

Mas nunca haverá amor tão grande

Tão Ande qual esse incontestavelmente...

Amamos mesmo estando-nos ausentes

Presentes de espíritos, tão próximos!

Quem ver um amor assim não compreende, mente.

SONETO DA PERDIDA ALIANÇA

(adaptado de Drummond)

– Perdi do dedo a aliança –

Volta o pato para casca...

A lua é inútil no alto...

Porcaria de mundo louco!

Vou subir à torre a sessenta

E pôr meu ninho no topo...

Todos me dizem normal

Precipitar-me lá de cima...

Não sei o que estou fazendo,

Se alguém souber, me impeça.

A canção da morte é chata!

Gato fujão de mancinho...

Fui casado a muito...

Brigamos: fim. – no bolso do terno –

SÍNDETO

Quero um soneto

Ao meu anseio

Assíndeto

Meio a meio.

Quero um soneto

Num versejo

Polissíndeto

Qual um beijo (conjunção entre dois lábios)

Um perfeito

Imperfeito

Feito

Sem síndeto

Com síndeto

Mas... Soneto.

VOCÊ, EU

Você é linda!

Eu feio...

Você uma rainha!

Eu mísero rei...

Você acertou!

Eu errei...

Você sabe tudo!

Eu pouco sei...

Você completa!

Eu meio

Poeta.

Você sonetista!

Eu meio

Artista.

EU, ELA

Ela não sabe fazer sonetos...

Eu não sei fazer poemas...

Ninguém sabe fazer sonetos...

Alguém sabe fazer poemas?...

Ela apenas faz sonetos...

Eu apenas faço poemas...

Todos fazem sonetos...

Todos fazem poemas?...

Ela é um soneto

Eu um poema

Todos poemas!...

Eu poema

Ela soneto

Todos sonetos!...

SEMPRE

Dou-te minha mão e tu sorrindo

Prende-me teus dedinhos aos meus...

E rio... Rio tanto aos teus

Olhinhos que muito os quero lindos!...

E feito um menino surpreendido

Com a mágica de um astro cintilante

Fico assim neste precioso instante

Em você completamente perdido...

E deste modo risonho vivo eu

A imaginar tu, bailarina minha,

A dançar docemente aos olhos meus...

A sorrir uma vida inteirinha

Preza-te a mim por completa...

Tu, minha bailarina, eu teu poeta... – sempre.

O HOMEM ALÉM DO POETA

Quero que me vejam profundamente

De alma transparente... Completa

Que conheçam completamente

O homem além do poeta.

Quero que me leiam atentamente

Com teus olhinhos de poeta

Demoradamente...

O homem além do poeta.

Quero de maneira indiscreta

Dispor literalmente

O homem além do poeta.

Quero de mim repleta

Sabiamente...

O homem além do poeta.

UM POETA SEM ORIGEM

Eis que à noite morresse um poeta

De assombro, de cisma, de tédio...

Eis que o despencasse de um prédio

Do décimo, vigésimo, trigésimo...

Eis que na perícia constatassem:

Catástrofe de amor no peito.

Eis que fosse ele um bom sujeito:

Honesto, caridoso, sem orgulho.

Eis que não lhe caísse uma lágrima

Sequer de piedade, sequer de graça

Da sua infeliz desgraça...

Eis que o sepultassem em cova alheia

Sem cruz... Apenas uma estaca inscrita:

Jaz aqui um homem sem origem poética.

O APRENDIZ

Teus olhos são como estrelas que riem... (mesmo tristes)

E tu me ensinaste a ser feliz

E eu aprendiz contemplando-te...

Mesmo no porta-retrato na estante.

Tu sorris perfeitinha – eu bobo –

Parece que a muito – tempos outros –

Convivemos juntos de algum modo

Talvez no céu – éramos astros! –

Juro, não sabia o que eram guizos,

Nem o que eram estrelas de origami

Muito menos a estória de “O Pequeno Príncipe”

Mas tu que me ensinaste a ser feliz

Também a gostar de Drummond

De “A Flor e a Náusea” de monte.

ESPERA...

Espero o poema como quem espera

O amor entrar pela janela

Deitar-me a face no ombro

Olhar-me com olhos de quimera...

Espero o poema como quem espera

O primeiro beijo no lábio

O primeiro afago no rosto

A primeira flor da primavera...

Espero o poema como quem espera

O filho pródigo errante

A vela ascendente no oceano...

Espero o poema como quem espera

Uma mão acenar distante

O olhar comover-se de encanto...

O MOÇO DO ESPELHO

Sabe-te, nalgum canto deste país

O coração de um poeta vive

E vive palpitante e feliz...

Vivendo você no poema.

Tem a felicidade de um moço

Que não espera além

Que o beijo quente no rosto...

O perfume dos ombros da amiga.

Mas se houver outro

Com tanta ternura, peço

Chame a mim que eu o conheço.

É o mesmo que a muito o vejo,

Modesto em dizer de si mesmo...

Aquele moço do espelho.

TARDE – E MUITO TARDE –

Um dia tu vais lembrar-se de mim

E quando, eu não serei mais triste

E eu serei feliz como nunca vistes

E eu serei assim ao fim de mim...

E neste dia tu vais perceber, me ama

Daí não haverá mais eu pra ti

Nem haverá mais tu pra mim

Porque nos morreste a “velha chama”

E a cama que nunca nos recebestes

Continuará feita, a espera perpétua...

Eu virgem de você, você virgem de mim.

Porque será tarde – e muito tarde –

Quando tu se tocar que chega o fim

E eu não serei mais – pra sempre – teu poeta.

A AUSENTE

Por que assim foges pra distante?...

Por medo ou pretensões?

Prefere o silêncio, achas contemplante

Esse teu amigo de ilusões.

Tu me possuis sem olhar na fronte

Sem deixar no rosto o beijo diário

Inquietar teu peito ao meu... Semelhante

Ao mesmo amor... Esse amor literário

Tu me dizes: “O amor é ridículo” – contesto –

Eu vos digo: “eis a razão

Para que o amor sejas completo”.

Mudastes de repente o semblante

Deixastes tua voz recitar Camões

Um poema de amor – ridículo – ao “poeta errante”.

A UMA GUERREIRA

Mesmo que tu sejas triste

Ris maravilhosamente bem...

Mais que outras moças felizes

Que se dizem por aí cem por cem.

Não sei o fardo que tu suportas

Eu no teu lugar fraquejaria

Tu suportas com vigor, muita fibra

Jamais conheci tamanha ousadia.

Nem nas histórias da Grécia Antiga

(mesmo que eu seja leigo nelas)

Impossível de existir tamanha guerreira.

Enquanto Vênus, deusa do amor, se inteira

A proteger os marinheiros lusitanos

Tu, deusa poetisa, os poetas baianos.

O ÚLTIMO HÁLITO

Ah!... Minha Eugênia... Mais uma vez tu vieste

E tu vieste no teu vôo ofegante

E pusestes no meu peito uma estrela de fogo

E mais uma vez cruelmente eu morro...

Tu me vês desfalecer e não dizes nada

Cruza-te os braços, te põe distante, te acalma...

Tu bem sabes não te quero abstratamente

Que te amo, te venero, espero eternamente...

Porque tu escondes de mim, alma poeta?

Teu prazer talvez sejas ver-me padecer...

E quantas vezes mais hei de fenecer?...

Acorda-te os olhos minha adorável poetisa!...

Pode ser a última vez que o gênio vive

A última vez que tu o lanças teus olhos tristes...

SONETO AO ÚLTIMO SONETO

Tenho medo amiga... Tenho medo

Só me acalenta o rosto o poema

Mas sinto que os versos me fogem

Qual o gênio foge do poeta.

Tenho medo amiga... Tenho medo

Sinto a palidez em mim...

A ausência de versos moços

Penso que já não vivo... - morro -

Tenho medo amiga... Tenho medo

Já não me vejo marchar o poema

Trazendo ao punho dourada pena...

Tenho medo amiga... E muito medo

Temo que sejam estes meus últimos versos

Últimos versos ao último soneto...

(02 de julho de 2007)

O Poeta Baiano
Enviado por O Poeta Baiano em 07/02/2018
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