A face bela das coisas...
“Viver não dói. O que dói é a vida que não se vive.”
(Emílio Moura)
Abro-te o peito para que
arrebate de dentro de mim
a carta de amor que te escrevi;
mas por me faltar a audácia dos
jovens amantes, jamais te enviei!
Sou assim mesmo:
é de mim que chove a calma,
daqui é que choram os violinos,
minhas letras são anzóis e pescam
o que eu quero e preciso para viver!
Palavras escorrem de mim,
outros as apanham e degustam.
Alguns descobrem o sabor; outros as
arrazoam sem sal, com gosto de nada.
São pescadores que pescam sem a isca!
Versos e palavras são folhas
caídas que vagam sem donos.
Frutas amadurecidas que sobram
da ceia das aves e tingem de carmim
o chão da trilha que marcha os apáticos!
Arranca a carta de amor
que jaz inerte dentro de mim.
Mas não a consumas toda, aprecia-a.
Se por mim nunca tiveras afeição, quem
sabe surja antes que do papel as letras fujam!
Aproveita agora o doce
dessas palavras de amor.
São elas de outros tempos.
Hoje já não seriam perfeitas assim:
a face bela das coisas não é eterna!