DESCOR
DESCOR
Pinta a grade de preto
Para combinar com o asfalto
A parede de amarelo
Para rimar com belo
O carro cinza
Combina com o cinza da garage
A árvore não combina com nada
A calçada é de cimento
Descombina
O cachorro é branco
Mas sujo, é cinza
Que tal pintá-lo
De rosa
Melhor de espinho
Prá latir doído
O céu está azul
Nuvens brancas
Brancas nuvens
Não enxergam cores
Melhor assim
Há vermelho em demasia
No chão da rua de ninguém
Lá vem alguém sem cor
Mais um invisível
Que anda a esmo
Alguém diz, é assim mesmo
Não, não é não
Todos deveriam colorir-se
A seu gosto
A sua cor
Sem preconceitos
Cheios de individualidades
Duais
Sem medos ou pânicos
Dos infinitos descoloridos
Amigos inimigos
Casais sem futuros
Pretéritos
Está tudo azul?
Sei lá, teus olhos não
São amêndoas ou castanhos
Indefinidos
Poderiam ser verdes
Combinariam bem contigo
Nesse vestido preto
Que combina
Com a grade e com o asfalto
Cuidado é um assalto
É bala, é tiro
E tudo enegrece
Uma prece
Um luto
Um branco sem paz
Tanto faz
A vida continua descolorindo
Cores que se alternam
E se misturam
Com e sem vontades
Miscigenação
Encenação
Hipocrisia da igualdade
De cores sempre tão diferentes
Iguais a grade, ao asfalto
Ao vestido
E a noite
Em que todos são pardos
De dia, parvos
E as tintas
Ora, apenas tintas
Escondidas em latas
E vira-latas
Comendo lixos
Reciclando
Nada se cria nada se perde
Tudo se transforma em nada
Ou em merda
Esquecido marrom
Absurdamente e verdadeiramente
Humano
Que aquarela
Nada bela
Tudo borrão
Tudo existência
Tudo maledicência