Auto-testemunho de uma morte-criança

Eu morri quando mal tinha vida

Mal sabia andar, minhas pernas pequeninas

Mal sabia falar, eu apenas ria

Mal sabia sonhar, eu apenas vivia

Então eu suspirei profundo

Depois de uma longa febre

Foi uma longa noite

Em pleno verão

Mas eu estava no meu inverno

Não importava estação

Era febril

E confundia o que era lágrima e o que era suor

E um dia eu inspirei o sabor da vida

E o expirei .. pela última vez

E nunca mais andei

Os meus pés paralisados

O meu rosto, estátua

Meu olhar acabado

Foi a medusa que me transformou em pedra

Eu não mais podia brincar

Ouvia risos, eram os meus amigos

Silenciou

E eu era o silêncio

E as velas eram minhas irmãs

Eu era um galã de cinema

Minha mãe e todas aquelas mulheres velhas... chorando de emoção.. quando olhavam pra mim

Tinha fome, queria maçãs

Mas eu era uma natureza morta

Um dia tiraram o meu retrato

Eu mais parecia um boneco

Estava tudo negro, opaco

A roupa que os meus pais e irmãos usavam

O cavalinho de madeira que eu amava

Olhava pra mim, os seus olhos tinham luz [pela primeira vez]

Olhava revirado, sabia de algo que eu ainda não sabia

Olhava pra mim, entristecido, desconfiado

Depois, eu vi o meu corpo todo esticado,

O meu corpo.. em que eu não estava

Me senti livre, muito mais que tudo

Mas eu vi que eu era um nada, vestido em veludo

Então eu vi ... que os meus olhos não viam

E os abri

Eu não era mais aquele menino

Eu era um sonho

Talvez um pesadelo

Talvez apenas uma vida

Que se foi tão cedo