Borboleta de metal
E com o gosto de fel na boca
onde escancara o dia a ruminar
os lençóis amarrotados da madrugada
com o gosto de ferro, a ferrugem corrosiva
com o gosto da fé morrendo de inanição
levantando o esqueleto recoberto de pele,
segue para amanhã, e depois de amanhã,
o enigma da vida com seus mistérios
farfalhando sinais no tempo.
E num cálice onde oxidam as gotas de vinho,
onde perece imóvel a última esperança,
morre afogada toda a humanidade.
Voos de máquinas de ferro
carregando homens de ferro
e crianças de papel crepom
atiradas no horizonte
a alcançarem a brancura das gaivotas
que levemente extinguem a possibilidade de chão.
E no presépio de cristal
rodeiam as estrelas que jazem no infinito
onde o grito não mais se alcança
e as mensagens telegrafam as orações
vindas do futuro.
Buracos no caminho, pedras e hermetismos
solidarizando com o viajante que busca
mais distância que chegar.
Qual preço miserável, qual engrenagem
fortuita ou indelével, o ministro da caverna,
a pérola imolada no beco cheio de ratos,
qual sombra esquia persegue a luz
de um espectro que se esconde de si
na calada da era cotidiana?
Fantasmas ou zumbis? Homem ou pedra?
Barro ou raiz? A solução dissolvida
em lágrimas e soluços de uma mulher
e a alegria da criança encarcerada
entre muros e grades de uma prisão vertical
que assola os dias
e enche os bolsos de bronze
para produzir mais árvores de concreto e aço.
No cós de uma vestimenta
se segura o peso e o ouro da modernidade
e nem há bonde e nem saudade
nem flor de plástico pra velar
o fim da humanidade.
Em tempos de cólera morrem as borboletas
e vivem as lagartas a rastejar a existência
roendo as folhas das laranjeiras
que não exalam mais flores nem o canto do sabiá.
Estão mais próximos de Netuno
a temperar a civilização
com sal e carbono
e a voz de um barítono
buscando eternidades em notas de metal.