Através da travessia
Eu atravesso o século
com meus punhos de aço...
Atravesso com um pouco de cansaço
por caminhar sem a força motriz
de seus olhos me alcançando longe
deixando seus rastros de cicatriz
na pele, no olfato e no coração.
Eu atravesso as décadas
com a sede de um garoto
que busca o aroma juvenil
que brota das tulipas.
Eu ando roto
como anjo torto que caiu no abismo
de seus encantos.
E agora recolho meus prantos
pra contabilizar
os metros cúbicos de oceano
que guardei num pedaço de pano
que enferruja agora
num velho troféu de conquistas.
Eu atravesso as horas
mais rápido que cometas no céu,
mais claro que vagalumes,
mais breu que sua luz intermitente...
Atravesso como estrela cadente
que transpassa transparente
pela textura de um véu
aguardando o instante de ir embora
pra nunca mais ter ciúme.
Eu atravesso o tempo
como o frio que se acumula
em meus poros eriçando-os
para além de minha compreensão
do que fui, sou ou serei
nesse caminho repleto de um vazio,
repleto de estar sem você.
Eu atravesso seu pensamento
atravesso seu corpo
seu vida, atravesso sua ira,
atravesso pelo tato
o simples fato de ser mais cortante
que a lâmina do diamante,
atravesso se lábio amante
todos os dias
muito mais do que antes.
Mas ainda assim, sem o contágio
de sua pele,
eu atravesso apenas o prelúdio
de um breve instante
de caminhar com você...