ELA AINDA TINHA O PORTE DE TIGELA
Seus medos eram garrafais, combalidos.
Sabia de cor cada falange carcomida das querelas da paixão.
Tinha réstias saindo pelo ladrão. desnudas, desvalidas.
Suas mãos se diziam cariadas, desgarradas do resto do corpo.
Suava em profusão encharcando seus sonhos, sem pudor algum.
Parecia inerte, sem sangue nadando pelas veias,
tudo doía com tal fúria que dava medo respirar.
Naquela cama se postava aguardando que Deus o laçasse
de volta, como fez com seus socos e fúrias.
Mas Deus não se daria o trabalho de acudir,
nem de sorrir. Deus estava morto há tempos.
Desafinava nas poças abruptas da fé,
nos escombros estéreis que ainda teimavam em usurpar.
Lembrava dos seus engasgos, das querelas e badulaques
que tanto rosnaram nos tropéis escandalosos que agora,
por pena, deixavam o requeijão coalhar.
Mas ela ainda tinha o porte de tigela,
agulhas alucinadas buscando trégua,
poentes assustados chamando pela mãe.
Era forte como os ódios, sabia como ninguém
adoçar ferrugens e destravar os becos fétidos
da paixão.
Se dizia feitor das quitutes que ainda resistiam
à fome, ao frio, ao feio, ao perdido.
Agora, acreditem, não mais resvalarão naquele
acórdão maldito, naquela raspa de tacho que,
flertando, implorava por parar a música.
Mas nada era oco como seus feitos,
como suas estrepolias de pueril graça.
Então, como por dádiva, se desfez em cachos
perfumados de fuligem travessa,
como sempre quis, e nunca refez.
Escolheu seu confete mais desmanchado
e foi morrer desparafusando sua alma do dono.
Morreu como sempre se içou e nunca pariu.
Morreu nas cinzas abutres dos véus que ainda
serão ungidos, fincados, respingados.
Morreu, então, feliz. Envergadamente feliz,
Estupidamente feliz. Esquisitamente feliz.
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