Fúnebre jogral
Descendo as serras igual à chuva,
Correndo os vales igual ao vento,
Descendo aos corpos como arrepio,
Fúnebre jogral nos anuncia:
- Havemos de roubá-la, havemos de roubá-la!
Foi um martírio a noite inteira,
Só agora, manhãzinha,
Vozes cansadas então se calam.
-... !
Folhas de goiabeira,
Manhãzinha ainda,
Cheirosas e cheias d'água, orvalhadas...
Manhãzinha ainda,
Nós sairemos e brincaremos
Com as gotas do sereno da madrugada.
- Quero abraçá-la, vou apertá-la,
Seus olhos vivos hão de ceder,
A boca de jambo, macia polpa,
Tem seus impulsos de recusar
Mas – obediência - então se cala
E o corpo jovem, cheiro a jasmim,
Muito mais fácil há de entender
- Não quero perdê-la! Não quero perdê-la!
No céu escuro, na noite alta,
Ventos primeiros de fim de ano;
Seus olhos mortos, ardendo em febre,
Trazem augúrios de desenganos.
Ouvidos meus escutam longe,
Como estivessem cheinhos d'água:
- Havemos de roubá-la, havemos de roubá-la!
E a chuva desce, chuva menina,
Envem das serras, escorre em valas,
Afunda grotas, derruba os pastos,
Em voçorocas.
Miro seus olhos, olhos mortiços,
Já olham longe, além da vida,
Já não entendem o que lhes digo,
O lábio escuro não tem mais fala,
O corpo novo consente em tudo,
Como se fosse todo mundo
Seu grande amigo.
- Não posso perdê-la, não posso perdê-la!
E o fúnebre jogral em contracanto:
- Havemos de roubá-la, havemos de roubá-la!
A mesma chuva, o mesmo orvalho
No ano novo, molhando as mesmas
Folhinhas novas de goiabeira.
Na casa velha, já manhãzinha,
Queimando ao sol, existe o Nada.
A outra voz sumiu
Como evapora
O sereno da madrugada.
(Pitangui, MG, 1968)