Ciclo
olhando em retrospecto
nas páginas desse caderno amarelado
vejo rostos e vozes borradas;
o passado condensado em grosso caldo.
os versos que me devastaram
contemplo hoje a longa distância
como ilhas arrastadas
pelo movimento das ondas.
das noites suadas e insones
carregadas de avidez e de fome
lembro com escárnio e pena
da tão tola e febril mácula.
depois do atropelo do tempo,
a firmeza da mansidão;
o conta-gotas dos dias
é implacável na sua lição.
e pela ordem das compensações
noutra esquina do planeta
um novo poeta há de herdar
essa angústia de dura beleza.
e escrever, e arder, e ruir, e sangrar
se consumir e devorar
no calor da própria chama
até restar somente o pó e a paz.
o poeta, algoz de si mesmo
é a escolha e a renúncia
a chibata e a borboleta
a doença e a cura.