REDENÇÃO

Quando tudo for silêncio

de que valerá teu grito,

tua fadiga por ter,

enquanto bastava ser,

teu egoísmo, teu pranto,

tua momentânea alegria,

tua tristeza constante,

teu lamento, tua euforia,

tua sã estupidez,

a temporã sensatez,

a tua vã lucidez,

tua fiel renitência,

que fará com ela um dia,

quando tudo for silêncio

na mais perfeita harmonia?

Quando o tom for singular,

num perfeito desarranjo

sem nada para contrastar,

prazer, tédio, ódio, dor,

sem passeata e protesto,

e cinza for toda cor,

sem janela, sem vidraça,

sem riso de uma desgraça,

sem caos, sem ordem sem nada,

sem ter de que achar graça,

sem ter fé e um grande amor,

sem rancor nem gargalhada,

quando tudo for silêncio,

de que irás dar risada?

Quando silêncio for tudo

para tecer teu enredo,

sem mentira, nem verdade,

sem euforia, nem medo,

sem partidas, nem chegadas,

sem mistérios, nem segredos,

quando tudo for silêncio

sufocando seu desgosto,

sem buscar felicidade,

sem pudor, nem vaidade,

sem clausura ou liberdade,

quando o sol tiver se posto,

quando não houver mais lágrima

nem semblante no teu rosto.

Quando tudo for silêncio,

quando não houver imagens

nem recado, nem mensagem,

quando o sangue pela veia

não causar nenhum ruído,

quando tudo à tua volta

já não mais fizer sentido,

sem tolos olhares sórdidos,

de mãos ensaiando acenos,

sem chagas ou cicatrizes,

e nem gestos obscenos,

sem bandeiras e panfletos,

sem regras, nem diretrizes,

nem argumentos amenos.

Quando tudo for silêncio,

sem vestígios de lembrança,

nem resquícios de esperança,

sem inocência ou pecado

e nada que prorrogue a ida,

sem um amigo chegado,

nem família reunida,

sem abraços apertados,

sem festa de despedida,

sem latifúndio, sem calma,

nem subterfúgio na alma.

Quando tudo for silêncio,

e não houver portais, nem portas,

nem desvio ou convergência,

nem pontos de referência,

nem linhas retas, nem tortas.

quando tudo for silêncio,

quando for chegada a hora,

sem pressa, nem letargia,

sem veredicto ou sentença,

sem ter aplausos nem vaias,

sem ao menos reverência,

sem nenhuma regalia,

sem prece, culto ou quermesse,

sem saúde e sem doença,

sem terço, sem heresia.

Quando tudo for silêncio,

que fazer da ousadia,

sem sonhos, nem fantasia,

quando o silêncio for tudo

e tornar-se infinito

de que valerá teu grito

teus planos, teus ideais

e tanta fadiga por ter

quando te bastava ser...

de que valerá teu grito

quando o agora for jamais,

quando tudo for silêncio,

só silêncio, nada mais.

Saulo Campos - Itabira MG

Saulo Campos
Enviado por Saulo Campos em 21/12/2017
Código do texto: T6204551
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