CHORUME QUE ADOCICA MEUS AIS
Gosto de falar do tempo esquecido,
não daquele tempo já mastigado, meio bambo,
mas do tempo que berra, que arranca amarras,
que destrilha as almas de Deus,
que faz o vento esquecer o caminho de casa.
Gosto de falar do tempo moído, um tanto hippongo.
que se diz farsante, que se faz fumo dos bons,
aquele tempo que ainda nunca untei.
Gosto de falar do tempo que vira pandeiro,
que se disfarça de segredo só pra fugir da farra,
que diz o diabo quando der na telha,
seja esta telha o que for.
Gosto de falar do tempo cego de todos olhos,
que rompeu meus tímpanos de tanto pedir perdão,
que virou doce chorume que adocica meus ais.
Gosto de falar do tempo requebrado,
daqueles que a gente abraça com dó de machucar,
daqueles que ninguém evoca para o juízo final.
Gosto de falar do tempo escancarado, fadado a respingar mel,
que a gente nem mais retorce para expurgar a fé,
que a gente nem mais pisca o olho pedindo um teco de pão.
Gosto de falar do tempo pirado, doidinho que dá pena,
que por pouco não enchemos de fuligem para jogar ao mar,
que por pouco não maldizemos com a mão desarmada,
solta neste mundo que não é de mais ninguém.
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