O poema se diz sozinho

as minhas mãos espalmadas esperam outras mãos

que venham acariciando o silêncio que se levanta

da noite imensa e imprecisa

ecoando recordações

reminiscências deslindadas no tempo

espero outros olhos

que fitos no abismo que habita em mim

expressem peremptórios

a evidência inconteste de nada sermos

para além do pensamento e do tormento desta existência

onde a minha alma eterna espelha e reverbera os sentidos

a procurar pela liberdade dentre poemas inacabados

que já não sei escrever

dentre os sóis flutuando sobre tardes derradeiras

dentre o alarido da vida clamando vida e vida e vida

poemas que nascem como sílabas recusadas

de emoções ancoradas a um verso e a um tempo

onde as palavras e gestos incontidos e sem nome

dizem das distâncias e das solidões caindo

como tristezas sobre os meus olhos cansados de não te ver

caindo sobre o meu corpo cansado de não te ter

calando a minha voz numa incognoscível saudade

a poesia, tão tímida quanto os sentimentos pueris, silencia

e em silêncio condena de amores a minha alma

e faz voar borboletas num céu de elude tessitura

e de saudades insinuadas por tanta ilusão

decompondo sonhos

espreitando a tarde

que se demorava inextinguível nos teus peitinhos pequenos

colhidos pelas minhas mãos

hoje, com as mãos sobre o rosto, balbucio o teu nome

lentamente

enquanto as lembranças inventam carinhos que não te fiz

e que me dizem da inquietação que era te amar

hoje, balbucio o teu nome

como o dia balbucia a manhã e se despe do escuro

vestindo-se da nua luz ainda adormecida da aurora

e na manhã leitosa e insonte

voam pássaros em direção ao passado

para além da tua ausência

e do meu medo

o poema, então, se diz sozinho

como uma voz no deserto

que a vastidão perpetua

em te querer, mas és lua

recitada na ficção das noites inomináveis e cambiantes

que, deste nascer sem morrer,

não me deixam te esquecer