O silêncio quebrado

o pensamento esvoaça e inventa

o silêncio quebrado

pelo vento trazendo o passado

porejando antigas canções em lábios sem faces

abrindo as janelas indecifráveis de um mundo impronunciável

abrindo a voz da manhã florida de sons

onde as pétalas caídas das flores enternecem

a recordação dos teus lábios dizendo canduras e silêncios aos meus

dizendo dos tantos instantes imutáveis e imorredouros

que pode haver nos laivos da vida cruciante e translucida

no gesto encoberto por esta nostalgia precária e deambulante

por esta agonia e por este pranto

intocados anátemas modelando a minha alma

pelos níveos véus da neblina suspensa na manhã que acorda

e acende as cores nas flores que sangram consumidas pela efemeridade de ser

e esmerilam incessantes o perfume frágil que a noite suavemente entornou

fazendo do aroma das flores a eternidade imponderável de ser

desenham olores nas folhagens e coligem as manhãs

e os rios correndo para os abismos de tanta solidão

para tanto desassossego

e tudo, tudo, ofegando na plenitude desordenada e ambígua

do que pode vir a ser poesia

na imarcescível página em branco do dia

pergaminhos (pelos séculos)

minuciosamente lançados ao mar dos sonhos

trazidos no sono da noite súbita

embalado na cantiga das ondas em chamas

na ebulição irrevelada dos versos

na mansidão absoluta dos ventos

que trago mudas em meus braços

garrafas soçobradas no mar dos meus sentimentos