Minha dor ainda espera

o outono veio outra vez...

agora sem ti

trazendo as frágeis horas aguilhoadas

articulando as longas noites e os acres dias

o perfume do vento palpita

o desamparo do tempo passando

soa lembranças na folhagem

esbatida sob um inconsútil sol de abril

no silêncio que perpassa a fulva manhã

os dentes-de-leão, levados pela aragem,

emprestam ao ar uma leveza tátil e friável

as folhas secas se debruçam

sob os níveos véus do nevoeiro ofegante

ante a beleza da manhã

e caem

ressumam os versos que a manhã decanta

nos jardins onde pululam os pardais

nos quintais onde o vento cantarola

tocantes cantigas de infância

correm descalças as lembranças

pela praia melancólica da tua ausência,

dos nossos mares,

agora exaustos,

das nossas ilhas,

agora tão doridas

dos fragmentos absolutos do nada

agora tão permanentes

a agonia das espumas

tecendo rendas nas ondas

querendo ser elegia

no prelúdio do verso

no momento infinito e rumoroso dos oceanos

acorda, suavemente, o silêncio

das praias entreabertas sob um sol latente

esculpido pela lassidão da solidão

minha dor ainda espera

o vento passar

e trazer as palavras que eu não te disse

palavras encobertas pelo silêncio envolto em ausência

palavras tão ternas como o cansaço dos corpos

depois do amor

tão leves

como a brisa que derruba a flor dócil sobre o teu nome

inesgotável como as madrugadas sem ti

a poesia que arrulha em minha alma,

em minha vida,

não acontece

a palavra se esconde

entre o outono branco da página

as veredas inacessíveis da melodia insonora

e dos ideogramas de um haicai

escrito como a chuva que cai

e bebe a sede dos versos molhados pelas cores das flores

um vento absorto e distraído

se equilibra sobre a página

[ainda em branco

minhas mãos, timoratas,

flutuam sobre sofismas

no fim das premissas

há algo vago

como uma saudade vígil

como uma noite incriada

como a tua presença

dentro da minha solidão consistente

como a angústia de estrelas sem céu

ou algo assim,

enigmático e intrigante,

tão imperecível em mim

como você