SEXTINA : O LADRÃO DE ROSTOS

O estranho que o saúda desde o espelho
Evoca a dor de tudo quanto dura
O susto de esquecer o próprio rosto –
O anfitrião dos dias maus, o velho
Que é melhorado na caricatura
Imberbe da manhã, sem tantas rugas.
 
Lá fora o abril desfralda um céu sem rugas,
De frio azul a prescindir de espelho,
E o dia que é tão só  caricatura
Nuns dramas de peões de vida dura.
Durar é fraude, aqui, viver é velho,
Angústia que se estampa em cada rosto.
 
As máscaras afeitas ao seu rosto
Lerão destinos nesse mapa em rugas.
O esgar irremediavelmente velho
Que chama de sorriso ofende o espelho
E a ofensa é plena em tudo quanto dura
A inépcia em ser tão só caricatura.
 
Supõe que o quanto foi caricatura
Resgata, em breve rasto, um brilho ao rosto,
Seu desespero é a máxima mais dura.
O que dizer desse discurso em rugas
Loquazes e sinceras desde o espelho?
O agora é desprezível, diz o velho.
 
Acordo algum entre ele e o que esse velho
Propõe – não deixará a caricatura
Do que já foi submersa nesse espelho!
Envergonhado, vai lavar o rosto
E dar significado às mesmas rugas
Que vão durando enquanto a vida dura.
 
Secar as lágrimas na barba dura
Enquanto o dia vai ficando velho.
Não há maior incômodo nas rugas
Que estar saudoso da caricatura
Que já não é, só reconhece o rosto
Por vaga sugestão do que há no espelho.
 
Carranca dura e não caricatura
Ostenta o velho que roubou seu rosto
Mas deixou rugas, mapa em seu espelho.
 
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Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 03/12/2017
Reeditado em 03/12/2017
Código do texto: T6189179
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