Tiriel, o Arcanjo

TIRIEL, O ARCANJO

Parte 1: A Ilusão da Distância

I

Se emprestaste o teu nome

Ao mui velho rei de Blake

Que vagou em busca de si

Mesmo... Não é justo, eis,

Que ficasse tua imagem

Ligada ao sentido posto

Rei vingativo tirano...

II

Oculto que estás às letras,

Subcutâneo às palavras,

Infenso às vãs honrarias

De glórias humanas vis...

Pouco se atém às prédicas

Longas e delongas úrgicas...

E tristezas infundadas...

III

Tu, porém, lá no seu âmbito,

Universo outro pleno

Feito de real substância

Em que peso e massa são

Fatos concebíveis puros

E que o tempo não existe

Como cá, sentido único...

IV

No etéreo plano dalém

Destes sentidos mundanos

Em que a matéria se faz

Sob a ilusão da existência

E da firme consistência!

Só partículas vazias

Regradas ao leve Nada...

V

Neste espaço tangente

E oblíquo à nossa olhada

Tiriel é resplandecente!

Parte 2: O Capacete de Hermes

I

E como poderia Hermes

Vencer ao gigante Hipólito

Sem o uso do capacete

Da invisibilidade!

Instantes antes da lida

Dura Gigantomaquia

Chegou a Hermes o objeto!

II

Hades ofereceu o trunfo

Mas não havia como pôr

Na cabeça do herói

Uma vez que a grã distância

Se colocava entre ambos

Assim, surgido e etéreo,

Veio em auxílio Tiriel!

III

Entrevisto nas neblinas

Fumegantes da batalha

De modo mágico e lírico

Fez voar o capacete

Como se este levitasse

E ao influxo da energia,

Levou-o à cabeça de Hermes!

IV

Munido desse recurso

Com a invisibilidade

Desnorteou então a Hipólito,

Que dava golpes no nada,

E vendo a tudo Tiriel,

Do cimo duma colina

A tudo isto observava!

V

Hipólito sem ver o elmo

Alado é levado a sina

Por um fogo de Santelmo

Parte 3: O Escudo de Ares

I

Eis que os gigantes Aloadas

Irritados com deus Ares,

Devido à morte de Adônis

Levaram à guerra vil

E devido ao tamanho

Descomunal lá prenderam

O deus da guerra num pote.

II

Assim foi que fizeram

Já que eram mui gigantes...

E firmes no propósito

Ali o deixaram sem água

Ou com qualquer mantimento.

Então Hermes, bem astuto,

Decidiu ajudar a Ares.

III

No entanto, como distrair

Lá os dois irmãos gigantes?

Era preciso que algo

Surgisse para dar tempo

De levantar a grã tampa

E poder salvar já o esquálido

Deus que ali definhava.

IV

Então, rápido, Tiriel,

Dá solução ao problema,

E ilumina o ambiente

Com um raio energético

De sua lança auriluzente...

Que reluz sobre o escudo

De Ares, deixado ao lado...

V

Tiriel, a inteligência

É a boa arma que subjuga

E dá valor à ciência!

Parte 4: A Melancolia aos Pés da Cruz

I

A Melancolia se instaura

Sobre o mundo e se entristece!

No horizonte já o Sol

Se avermelha rosicler,

Foi então no monte Gólgota,

Que a triste ária se consuma ...

Momento final do enredo.

II

Tendo só por instrumentos

A fúria dos ventos bóreos,

Os raios irados de Júpiter,

E terremotos de Hades,

Maremotos de Poseidon!

Assim se compõe esta ária!

Jogam dados os soldados...

III

Lá no seu amplo espaço

Pensativo ao desenlace,

Passa o compasso à folha,

Tinem as chaves, a esfera

Roda, o poliedro granítico

Desafia tênue equilíbrio

E a balança vazia pende...

IV

A escada se apresenta

Como um caro desafio

Para a subida aos céus

Mas não é hora agora,

Pois preciso é resolver

Uma questão própria ao mundo,

à galorpa, pregos, martelo!

V

Que triste é o carpinteiro

A quem é pedido o prelo

Desta cruz por derradeiro...

Parte 5: O Eclipse e a Aurora

I

O Sol reina como astro

No sistema de esferas

Mas se a pequena Lua

Se interpõe à nossa vista

Não o vemos e escurece...

Abre suas asas Tiriel

E voa entre nuvens e estrelas...

II

Os homens na terra atônitos

Buscam o entendimento

Destas tais causas celestes...

A Lua ofusca o disco áureo

E o Dia se faz como Noite!

E sábio e veloz Tiriel

Compreende do mundo a máquina

III

Para o domínio dos céus

É preciso ir além do vôo

Além dos engenhos mecânicos

Sabe Tiriel, a inteligência

É mais que acumulação

É um ritmo contínuo e novo

Com tudo se reordenando

IV

Eis! O Sol volta a brilhar!

Tiriel vôa amplo entre astros

E pensando na sua obra

Difícil que tem que abrir...

Observa do cimo a Terra

E desce em vôo razante

No instante à nova aurora...

V

A realidade é uma folha

Fina e frágil que vai embora

Caindo à cada nova escolha!

Parte 6: Ao lado esquerdo de Cristo ou os raios de Júpiter

I

E Tiriel fora chamado

Foi com mais outros arcanjos

A provocar nuvens, raios,

Trovões, no dia do martírio

De Cristo. E foi então a legião

A causar ventos e fúrias

Para repreensão dos homens.

II

O ladrão ao seu lado esquerdo

Insultava com impropérios,

Ironizava a Jesus,

“Não és tu o Cristo, salva-te

A ti mesmo e a nós também!”

Mas o do lado direito

Já tomado de temor...

III

“Nem ao menos teme a Deus?

Estando em igual sentença!

Com Justiça recebemos

Castigo dos nossos atos,

Mas este nenhum mal fez!

Jesus, lembra-te de mim

Quando vieres a teu reino!”

IV

E Jesus lhe respondeu:

“Pois em verdade te digo

Que hoje estarás comigo

No Paraíso!” E assim foi...

Soldados jogavam dados

Tirando sorte em suas vestes!

Para acelerar o fim

V

Um deles feriu-lhe à lança

O lado esquerdo e viu graal

Deixado ali por Tiriel!

Parte 7: A Inteligência e a Sabedoria

I

Tens pois a Inteligência

Do mundo etéreo dos anjos!

E ainda a Sabedoria-arcanjo

Como é sabido da ciência

Que uma está no Sol brilhante

E a outra se reflete à Lua

Como uma nota altissoante!

II

Seu capacete invisível

E formado de duas partes

Tão forte é como o de Marte,

Com onze rubis... É incrível!

E altivo vai vigilante

Buscando em sua vigília

Ajudar o vago andante!

III

Se o bom homem lê um livro

E páginas vai correndo

Ou vê peça acontecendo

Ou filme eis que a mente livro

E então ao coração a ligo

Pois ao sábio busco e vejo

É o meu desejo que sigo!

IV

Se a minha ação te conduz

Sua alma em sua busca constante

Basta apenas ao viandante

Que lépido acenda a luz!

Elétrica, vela ou tocha,

Candeeiro, lanterna ou fósforo,

E me verá sob as rochas!

V

Vêde, sou assim, sou Tiriel!

Meu sigilo está em Mercúrio,

Dos céus lanço bom algúrio!

Parte 8: Ao Encontro de Jophiel

I

Ouvindo o chamado troante,

Do grande altivo Jophiel,

Soma-se às legiões radiantes

II

Que em lutas tão siderosas

Vai, pois, vai bravo Tiriel,

A erguer a lira harmoniosa!

Canto de Invocação

I

Foi a mando de Afrodite,

Separar grãos misturados,

Centeio, trigo, aveia juntados,

Cevada... Psiquê acredite!

Mas com ajuda de Tiriel

Que lhe mostrou belo engenho

Já montes formou ao léu...

II

Foi ainda então Psiquê

Buscar lã vistosa ao rio

Tiriel mostrou o recolher...

III

Buscar água ao Cocito

E ao Estige... Tiriel deu

Vaso de metal bonito!

IV

Ainda a Psiquê, sincero,

A porta mostrou do Hades

P’ra voltar.. Casar com Eros...

V

Se tu ouves os ecos ávidos

De súplicas verdadeiras

De corações apertados

Solicitantes de ampla

Justiça e realizações!

São ecos em pensamento

Transfigurados em luz...

VI

Só uma membrana fina

Separa-nos em distância...

Todavia ao mesmo tempo

Tão longe quanto a mente

Nem pode imaginar!

Pois se não veem os olhos

Julgamos não existir!

VII

Tola ilusão insensata...

Pois aos teus ouvidos chega

Já que ao lado aqui se põe

Embora outra dimensão...

E tudo que aqui façamos

Pode ser visto acaso

Queiras... se acaso queiras...