AURORA do SEMÁFORO

O Sol derreteu

escorrendo pelas frestas do céu

onde os encanadores do estômago

vêm praias,

não pensem estes redentores do auto-perdão

que vou mergulhar na piscina dentro de mim (não!)

como querem os que passaram pela vida

com olhos-turistas,

não vou apagar meu fogo

com o dinheiro que transborda o sangue dos desenterrados,

sangue drenado nas represas da desumanização

p'ra passagem do navio de intestinos penteados

na escadaria da igreja estufada pelo arroz

dos noivos do vício deixado aos filhos bastardos

enquanto aos órfãos da pátria drogada e prostituída

disputam a carniça aos urubus.

O corpo de bombeiros arde em chamas

e o mercúrio transborda das represas,

o exército guarda almoços importados

e a multidão bêbada por mártires

crucificando rebeldes

nos matadouros,

para deleite dos esqueletos abandonados.

Da vagina da avenida brota uma espiga de ferro

parindo um semáforo vermelho

como um olho do inferno

flertando com olho solar

dos cabisbaixos,

engolindo a escuridão

num ronco de cemitério.

E quanto mais se anoitecem

como polvos pelo avesso

mais o mundo é um atoleiro

formado das almas

dos que despiram o espírito

e deixaram apodrecendo no chão

Nossas vidas sepultadas sob as letras nos papéis,

e caminhamos por uma cidade cujos edifícios são as leis,

das páginas dos jornais escorre o sangue do filho e do pai

escorrendo belos bueiros como uma aurora marginal

nascendo nas calçadas,

o céu sórdido

dos que brotaram no túmulo carnavalesco

da civilização

e que não passa de um curral de bois atolados na baba do delírio