eu também vou reclamar 2



Para Raul Seixas



meu ouvido virou paiol
de estocar reclamações
não sou luz nem farol
a indicar as direções

reclamam da Previdência
e da falta de providência
que o trânsito é caótico
e as estradas esburacadas
tento mudar o foco
com uma boa risada
e me chamam de debochado
para lá de alienado

as reclamações são tantas
e eu acabo ficando tonto
reclamam do ônibus e do metrô
de motoristas mal educados
e das ruas lotadas de camelôs
até mesmo do pobre coitado:
uma esmola por amor de Deus
reclamam cristãos e ateus

na polícia só tem crápula
a extorquir o rico dinheiro
de pessoas sem máculas
que trabalham o ano inteiro

e assim caem em contradição
pois somos todos canalhas
não há como abrir exceção
a nossa fala é como navalha
que de tão afiada corta
fundo pessoas vivas e mortas

nem mesmo o que morreu
em seu túmulo tem sossego
reclamam de tudo a esmo
ah morreu? antes ele do que eu!

quanto ao tal homem do campo
dizem ser um grande mentiroso
que não trabalha assim tanto
na verdade é um preguiçoso
que se trabalhasse direito
que se suasse no eito
sobre a mesa teria mais alimento
e sobremesa de complemento

reclamam disso e daquilo
de fulano sicrano e coisa e tal
que comida vendida a quilo
não é lá muito legal

mas tem uma reclamação
para levar-se em consideração
ela é mesmo sensacional
quando falam de poluição
e do aquecimento global
e das multinacionais

reclamam de incêndio nas matas
e atiram cigarros acesos em beira de estrada
em casa não separam cascas das latas
latem para o motorista de táxi
reclamam dos moto-boys
de ciclistas e das taxas
falam feito maritacas

xingam policiais e bandidos
reclamam de drogas e dragas
que os humanos são vendidos
e nos sem-tetos jogam pragas

motorista berrando com pedestre
como se fosse extra-terrestre
que só pode andar no passeio
pois o carro perde o freio

então, “ta lá um corpo estendido no chão”
não foi o motorista que perdeu a direção
e tome reclamação
morreu um songamonga andando na contra-mão
porque se tivesse pegado uma ponga
talvez morresse não

as ruas são para os carros
aceleram buzinam tiram sarro
do cara que anda a pé
sai daí ô barnabé!

eu que tenho os pés como meio de locomoção
tomei a minha decisão
vou me juntar aos loucos
e reclamar do muito e do pouco
reclamar também do médio
já que não existe remédio
de curar reclamação

onde já se viu coisa tão vil?
quero já meu rivotril
e para ficar de vez tantã
também vou de lexotan!
e... segura o tchã amarra o tchã!


 
 
Do livro Palavras de Amor - primeira edição 2010 - Editora 24 horas

Onde encontrar:

www.livrariacultura.com.br e www.biblioteca24horas.com