Dez poemas escolhidos

Dez vidas

I (primeira)

instauro aqui

o rio,

só mais tarde

o mar lhe saberá

o gosto.

(planícies verdejantes)

vórtices de imagens

em dias acesos,

janelas abertas,

abismos e trevas

a perder de vista,

golpe no peito, queda

angustiosa sem parapeito,

entretanto, sempre há

os que riem pela boca

do desatino;

instauro um coração

que pulsa na artéria da vida,

a carne se dizendo

sangue e aventura,

em cada curva tomba ( como se já não tivesse

tomado de sombra) os que buscam o paraíso

a prometeica cidade

não sabia da crueldade dos deuses.

II (segunda)

declinar

sobre a forma

dada:

(...o suspiro do intervalo,)

o intimo instante

da coisa revelada.

fugidio relâmpago

quando se percebe o nada,

e da luz que

se processa nesse ato:

alumiar a caverna

que teu corpo guarda.

III (terceira)

a melhor flor é a

aquela (impura)

bolha

turva

pústula

entre branco

e preto, sua gênese:

gradiente,

(ração da literatura)

flor que lembra gente;

a flor toda boa,

bela e angelical,

flor clareada, gente boa,

é flor sem mistério,

de plástico e acética,

essa não nos serve,

é flor sem lastro terrestre,

é dessa que a canalhada serve!

IV (quarta)

bem fundo,

na gruta mais

funda, chuvosa

de perfume e madeira,

Líquidos

derramando

no lençol:

o venusiano aroma

de alecrim e azeite.

meus dedos

na lira de florescência

entumecida,

um pequeno sol em

lágrimas,

na lisa carne

de sua descoberta,

a desejosa

língua

ondulada

No seio

daquele minúsculo

corpo vermelho e amoroso,

tão clítoris de si,

banhando a memória

com seu tabu.

depois a luta, a luta

forte e destemida

de dois corpos se amando.

V (quinta)

teu hálito de vida, teu

sol, tua alegria, tua verdade

infinita, flores, céu, fogo

seda, brilho, abertura, o mar

se acalma e somo a mesma

onda que se espalha,

soletro teu nome

com as estrelas da memória,

manhã vigorosa, fôlego, uma

crina ao vento, criança brincando,

um esquecimento, mãos no cio

ao escrever esse poema, óvulo,

coração batendo e sangue dizendo

vida, dizendo queda, porta, saída,

onde andavas? somente teu rastro

nesse terreno baldio.

VI (sexta)

tudo, inclusive teu

nome numa parede

de quarto, tua xícara

de chá sobre a penteadeira,

esse mesmo espaço

onde escrevo esse poema

teu corpo já houve, já

esteve onde agora jaz

um cataclismo, a fruta

madura servida no café,

tua mordida de dente e vontade,

e teu perfume indecente

de quem havia engolido

todo o sonho de juventude,

e eu ali, perto, fazendo outro

poema onde as ruas eram

traficadas e a luz batia em

minha porta, e de tão farto,

eu não abria, vozes e dançarinas

impertinentes no fundo do quadro,

não imaginava o quanto de pobreza

de outros planos, nem a agonia da

casa ao lado, do sono profundo que

a vida nos impõe, nada disso eu

sabia, mas te amava como o sol

a plantação, como o céu as estrelas.

VII (sétima)

acesa a luz,

toda irregularidade

das superfícies aparecem,

sulcos intermináveis por

entre as peles, vômito

a flor da estrada, mais

pancada que silêncio, passagem

rápida nas lombadas, do

medo, nem se fala, o mais

difícil é deixar o barco em

paz, (no redemoinho de palavras)

VIII (oitava)

a tarde explode

sob a linha do pensamento,

fogo e água a um só

tempo, jangada solta

no mar revolto, tua

palavra é estilhaço nas

ondas, e a retina que

cobre as lembranças

se estica, rompe, peixe,

polvo, artéria que trafega

a vida, a infância se vinga

nessa tarde que explode,

nela se arrastam mortos

e feridos, um baile que

alimenta os vivos.

IX (nona)

o barco singra

no rio verde da

sinistra tarde gosmenta;

o teu seio pulsa

nas minhas mãos;

toco teu sexo

com a ternura das abelhas,

não sei nada sobre o futuro

e o passado é um morto,

mas tua cintura ainda balança

nas minha veias,

escreveria pele no verso de

teu ventre.

X (dez)

Se amo a pedra, a pedra não é uma pedra, é uma pedra que amo... banho a pedra com minha alegria, com minha tristeza Com meus sonhos, Inclusive, com minhas mentiras... Algo sabe que eu vi a pedra, que entendi a pedra, que furei o fato dela ser uma pedra. Que ali existe uma Pedra encantada... A pedra ganha um perdão, e deixa de ser pedra, apesar de continuar lembrando uma pedra.